CRÔNICA #031 - MEMÓRIAS – ESSA O POMPEU ME PAGA - UMA HISTÓRIA REAL
Certa feita, falei de minha frustração artística, ainda no “primeiro ano fraco”, aos 6 anos de idade. Prometera a mim mesmo jamais participar de qualquer atividade artística nos eventos do grêmio da escola. Tremia na base só de pensar estar no palco sob qualquer pretexto. Foi assim durante toda minha vida estudantil. No entanto, morria de inveja vendo os meus colegas participarem.
Paradoxalmente, a inveja foi-se tornando num projeto de cura e libertação daquele trauma. De tanto eu dizer não, ninguém mais me chamava para participar do grêmio. Fiquei tão incomodado que resolvi procurar o presidente do grêmio e pedir para participar na próxima reunião.
Era a penúltima semana de novembro de 1967. Escolhi um texto numa revista da biblioteca. Era um texto escrito por Mário Trevisan. Ironicamente era um texto cômico. Ironia do destino, uma comédia iria justamente quebrar o meu trauma de palco gerado após aquela ovação da infância, que interpretei como uma vaia. Procurei o Acélio Vasques, o único que tinha um gravador de rolo na cidade. Ao meio dia, estávamos sintonizados na Rádio Clube de Pernambuco, esperando a vinheta do Repórter Esso para gravarmos. Perfeito! Conseguimos! Ficou quase original.
Então partimos para a ação. Ensaiamos o texto até quase decorá-lo. Gravamos a nossa vinheta que ficou mais ou menos assim: Após os trompetes do Repórter Esso, entramos: “Bom dia! Esta é a sua Rádio Vaiabreca Pelocano, ZY não venta nem chove” […] Ainda me lembro um trecho que dizia: “Itália, Cidade de Macarroni. Um avião caiu sobre um cemitério deserto. Entre mortos e feridos, todos se salvaram”.
Fiquei tão empolgado que não queria mais parar. Engajei-me no Grupo Jovem Barbalhense. Montamos duas peças. Uma foi a de Maria Clara Machado – PLUFT, O FANTASMINHA, dirigida por Maria Helena Pinheiro Cardoso (Hoje uma pediatra). A outra foi UM CHALÉ À MARGEM DA ESTRADA. Dirigida por Dona Stellita Freitas. As duas muito divertidas. Em Pluft, fiz o papel de Sebastião, um dos três marinheiros. As três personagens viviam embriagados com Rum. Numa das cenas, eu bebia o telescópio enquanto explorava a praia com o gargalo da garrafa. Entrávamos em cena cantando:
- “A menina Maribel, Bel, Bel. Tem os olhos cor do céu, céu, céu. E os lábios como o mel! A menina Maribel, Bel Bel”. Então eu dizia: “Deve ser aqui. Veja no mapa, Julião!”. E por aí ia. O João (Marcos Freitas) e o Julião (Eutrópio Magalhães, primo do José Wilker) e eu era o Sebastião. Um dia antes da estreia Marcos e o Eutrópio propuseram que enchêssemos a cara de cachaça, para parecermos mais autênticos ao entrarmos em cena. Eu repliquei-lhes dizendo que não. Se eu não os convencesse sóbrio, embriagado é que não ira convencê-los. Mas eles teimaram e se embriagaram. Menos eu. No fechar das cortinas fomos aplaudidos de pé. Voltamos ao procênio para o tradicional curvar de cabeça, todos de mãos dadas, como símbolo dos nossos agradecimentos.
No dia seguinte, ao retornar do colégio, encontrei minha mãe uma fera comigo. Foi logo conversando: “Mas meu filho! Como é que foi fazer uma coisa dessas? Você me mata de vergonha. Disse isso segurando o chicote, pronta para dar-me uma tremenda surra.
- “Mãe! Posso pelo menos saber o motivo pelo qual eu vou apanhar?” E ela começou a dizer que uma amiga dela (não me disse seu nome) foi ver a apresentação da peça e ficou envergonhada de o filho de Dona Lisier estar totalmente embriagado, quase caindo de tão bêbado que estava, quase nem conseguia ficar de pé, nem falar direito. Os outros dois, estavam bem, mas eu estava, segundo ela, totalmente embriagado.
Então falei para a minha: “Legal! Isso para mim é um elogio, porque, os que estavam bêbados eram os outros dois. Eu nunca bebi e não seria aquela a minha primeira vez. Mãe. Eu não bebi, mas representava o papel de um marinheiro embriagado”. Se quiser bater, pode, mas eu não bebi”. Minha mãe percebeu que eu falava a verdade e deixou para lá.
Noutra cena em que Pluft, o fantasminha nos assustava e nós desmaiávamos, me dei mal. Eu desenvolvera muito bem essa técnica. Meu desmaio era convincente e tudo saiu muito bem durante os ensaios. Mas na apresentação, o Pirata da Perna de Pau (Pompeu Araújo), deixara uma pequena arca no meio da cena e o contrarregra não percebera esse detalhe. E na cena seguinte na qual eu desmaiava, ao virar-me e avistar o Pluft, desmaiei com com todo o corpo e caí batendo as minhas costas justamente em cima da pequena arca. Mordi os lábios para não gritar de dor. Naquele instante só pensava em me controlar para não destruir a dramaticidade da cena. Mas em meu pensamente, gritava de ódio e dor: “Aaaaaai! Essa, o Pompeu me paga!”