Casal
Ela oferece a xícara de café e ele aceita prontamente. Ele oferece o pão ela pega sem mesmo olha-lo. Trançavam os braços buscando e entregando os objetos olhando para o forro da mesa, os atos pareciam algo ensaiado.
Estou sentado no canto do refeitório, como se fosse invisível.
Os gestos dos dois parecem fluir tão naturalmente como se fizessem parte de um mesmo corpo, uma mesma carne.
Alimentam-se com rapidez, afinal de contas o intervalo para o café não ultrapassa quinze minutos. Talvez seja o pouco tempo que possam desfrutar realmente juntos, apesar de trabalharem o dia todo um ao lado do outro.
Ele encontra tempo para uma carícia, uma brincadeirinha no cabelo dela. Ela sorri, timidamente.
É aí que eu percebo a minha indiscrição. Talvez ela acolhesse mais docilmente a carícia se estivessem sozinhos.
Tento desviar o olhar e fingir que não tivesse visto a cena, mas agora já era tarde.
Ela o adverte e ele apenas sorri. Então ele se vira para traz e descobre que estava sendo vigiado.
Mais uma vez tento disfarçar, mais uma vez em vão.
A situação agora começava a ficar constrangedora. Tentava não olhar para o casal, mas a curiosidade de saber se agora eu estaria sendo o observado e não mais o observador me desinquietava.
Eles conversam baixinho. Agora a postura é mais séria, afinal de contas não estão em casa. Os movimentos voltam a obedecer à mecânica anterior.
Ele meigo e ela com a postura rígida. Ele cruza as pernas e ela põe as mãos sobre o rosto e solta um bocejo cansado de quem já carregou peso demais para um dia.
Outra pessoa entra no refeitório. Ótimo!
Agora já não sou a única referência no local.
A quarta pessoa no local é uma senhora, aproximadamente 50 anos, aspecto de cansaço reforçado pelo peso e circunferência.
Ela abre o marmitex e come calada. Às vezes observa o casal. Parece estar incomodada. Sim! Com certeza ela esta incomodada.
Sinceramente, não sei se ela tem razão. Mas acredito que a sua vida tenha sido marcada mais por imposições do que opções.
Ari e João se levantam e vão embora. A senhora à minha frente me olha e diz:
— Que pouca vergonha!