setembro nostálgico I

Setembro chegou com atraso esse ano, mas enfim ele bateu nas janelas do meu quarto. Sempre gostei de fumar na madrugada quando não conseguia dormir, mas esse costume deixou de existe por muito tempo, muito tempo. Uma vontade louca de inalar nicotina me fez voltar ao velho costume. Coloquei uma música do The Cinematic Orchestra, joguei algumas gotas de perfume no quarto e fui para janela para acender o meu cigarro. Mesmo o costume ter sido meio ausente por muito tempo, não esqueci desse rito... já começou bater uma saudade do antigo, do passado, daquilo que se foi.

Ao colocar o meu rosto para janela, senti o cheiro da chuva, ou melhor, os rastros que a chuva acaba de deixar. A cidade recebe mais uma vez a purificação da natureza, a cidade está se limpando, mas e a alma das pessoas? Como se lava?

Essa sensação de temperatura, de cheiro, de contato, de vista, as duas árvores que eu nunca soube o nome mas que me acompanha desde que mudei para esse quarto, já depois de dez anos, eu continuo sem saber o nome. Assim como eu não sei mais o nome daquele sentimento que me envolveu tanto quatro anos atrás. Mas que agora por um instante, pude quase senti-la novamente.

Quatro anos atrás, nesse mesmo momento do ano, em um dia quase igual hoje, eu estava nesse mesmo lugar olhando para as mesmas duas árvores que eu não sei o nome, porém na companhia dele. E agora tudo se repita, menos a companhia dele. O que mais me entristece é saber que a companhia dele se foi e nunca mais voltará, não em forma humana, não agora, não nessa vida.

Uma longa história para contar... quantro anos atrás, em abril, uma amiga carioca que estava morando em Curitiba veio me visitar em Brasília. Fomos a um café na época não era ainda muito famosa, ficamos sentadas de frente uma para outra. Ela me contava como estava sendo as coisas lá em Curitiba, e eu contava sobre a vida aqui no cerrado. Foram horas de conversa, xícaras de café, pratos de tapioca. Ainda estávamos ali, a noite então chegou no cerrado, e no café, nos nossos olhares.

O lugar começou a encher, provavelmente estava tendo algum tipo de evento, acho que estava rolando um show. Não me recordo mais. Agitação sempre foi algo que me instigou, talvez eu tenha síndrome de gente, ou talvez claustrofobia, ou talvez eu não consiga me concentrar quando tem muito barulho, não sei... Fiquei reparando para aquele movimento, aquelas pessoas abrindo a boca, algumas para falar, outras para beber, outras para comer, e outras para cantar, e outras para rir e outras para bocejar, e no fim me deparei com um olho mágico, o olho que me via por trás de lente, um fotógrafo fazendo o seu trabalho, provavelmente para registrar o momento do show. Mas eu estava desconfiada, pois eu podia ter a certeza de que a lente estava sob a minha mira, a mira me perseguia e eu assustada reparava nela, o homem até então eu não podia ver o rosto baixou a sua câmera, atrás da lente tinha um homem de cabelos negros e olhos negros, muito barbudo. Olhos profundos, tão intensos e fascinantes, senti-me enfeitiçada por aqueles olhos tão grandes e convictos olhando... para mim. Então que eu me toquei que eu estava já secando o homem e ele me secando, logo desviei o olhar, nessa hora a minha timidez tomou a conta de mim. Sem graça tomei um golão de café e voltei a conversar com a minha amiga, porém totalmente perdida na conversa, pois só conseguia pensar nos olhos atrás da lente.

Olhei para frente de novo, havia uma mesa na frente da minha, tinha uma mulher de cabelos encaracolados de costas para mim e na frente dela, que está na minha frente também o homem dos olhos negros. Imaginei que essa mulher de cabelos encaracolados fosse a mulher, ou a namorada dele. Mas ainda assim não conseguia parar de olhar para ele de vez em quando, e assim nos olhamos a noite inteira, sem uma palavra, sem um gesto, sem ninguém saber o que estava acontecendo entre nós, a gente trocou carícias, beijos e carinhos pelos olhos. A noite acabou, fui embora para casa pensando. E esse homem nunca mais apareceu na minha frente.

Giulia Mutz
Enviado por Giulia Mutz em 13/10/2010
Reeditado em 29/01/2011
Código do texto: T2553493