MINEIROS DO ATACAMA

Conheço-me o suficiente para saber que, se fosse comigo, deixaria a atenção vagar por outras coisas. Acabaria não pensando mais na profundidade onde, dia após dia, com o suor abrindo trilhas na sujeira das minhas faces, ganho o meu pão.

Deixaria que o elevador me levasse, como a tantos outros, sem medir mais o medo que um dia afastei para um canto da mente, para poder continuar voltando, descendo, trabalhando, uma e outra vez deixando-me engolir por aquele buraco contra-natura.

Apostaria na minha sorte, na minha boa-sorte, para que nada acontecesse, e essa minha vida de roedor alojado nas profundezas pudesse transcorrer sem acidentes. Para que nunca ficasse enterrado vivo – o meu medo mais secreto.

Conheço-me o suficiente para saber que, se fosse comigo, e estivesse sendo salvo como os mineiros no Chile estão, hoje, talvez não resistisse á tentação e arrancasse duma vez os óculos de proteção - sem me importar com as consequências.

Talvez quisesse ver logo á chegada, nem que fosse por um último instante, como num hausto de luz de há muito desejado, um pedaço desse mundo que um dia me vi forçado a deixar na superfície, junto com os meus familiares, para ter uma profissão e poder dar-lhes uma vida digna.

E talvez, com um pouco de sorte, na simplicidade da minha mente direcionada para problemas mais imediatos, nem surgisse o medo do aproveitamento mediático por parte daqueles cuja única prioridade deveria ser salvar-me a vida.

Henrique Mendes
Enviado por Henrique Mendes em 12/10/2010
Reeditado em 12/10/2010
Código do texto: T2553114
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