Uma página em branco…

Uma tarde de muita chuva, uma folha em branco, e várias recordações à flor da pele literária e sensitiva, mas sobretudo o desafio de uma folha em branco havia muitos dias, como que apelar por mim, de uma forma irresistível, pois detesto coisas por fazer, e muito menos folhas em branco, que são o desafio supremo a quem sente que tem algo para dizer, mas que não sabe como, na difícil articulação de como transportar essas memórias, ou apenas sentimentos para um papel alvo que ao mesmo tempo está tão longe, e ao mesmo tempo está tão demasiado perto…

Por isso Hoje decidi ser o dia para a preencher, fazendo uma selecção algo ingrata do que lá irá parar, mas enfim, os outros e as outras que me perdoem…

Lembro-me de um verão distante e de ti, minha querida, que foste a minha primeira namorada; o tempo apagou tudo, a última vez que falámos foi há mais de 1000 anos, e falámos com rancor, sendo que o breve edifício que construímos ruiu para sempre naquela noite, tal como na primeira, em que nos uniu o que teve que unir…Fugias de algo e eu procurava um algo idêntico, e nessa coisa de fugas desencontradas unimo-nos procurando um algo que queríamos longe mas que afinal estava tão perto. Tenho melhores memórias posteriores, mas nunca te esqueci, porque nunca esqueço as pessoas que amei nem que fosse pela brevidade de um fósforo existencial, como foi o nosso caso…

E tu, caro Padrinho dos tempos de faculdade? Conhecemo-nos no Liceu e desde logo não gostámos um do outro, alimentando uma espécie de pueril rivalidade que se desfez no último ano, em que nos tornámos em amigos para a vida. Mil e uma aventuras vivemos, algumas inenarráveis, mas nunca me esquecerei da viagem que fizemos de mota no dia em que publiquei o meu primeiro prémio literário, numa louca viagem à serra para comemorar o feito, onde por uma noite eu me senti o Rei do Mundo; nunca esquecerei que me foste buscar à tropa, de fato académico, de limusina com motorista fardado e tudo! Não que ligássemos a esse tipo de coisas, mas foste-me buscar ao inferno para me levar ao meu céu de onde fui obrigado a sair para cumprir 7,5 meses que se pudesse teria apagado isso da memória, pois o tempo apaga muitas coisas, mas não apaga tudo…E de exigires seres o meu Padrinho de curso, havendo outros candidatos ao lugar, porque só te podia ter escolhido a ti, que não és apenas um amigo, és um Irmão, nunca esquecerei que depois de estares a trabalhar bem longe, noutra cidade, tu me apareceste de repente em casa, pois alguém te contou que eu não estava bem, e tu rasgaste a estrada imensa para me veres e me dares um abraço que não pedi mas de que estava desesperadamente a procurar, a precisar, nunca esqueço que estás sempre presente apesar de distante, agora nos braços de uma das minhas melhores amigas, escritora brilhante ainda não publicada, e correctora dos meus textos, além de ser a minha conselheira nos mistérios de uma vida que não conheço, mas de que estou à procura de pistas, amiga maior que também não esqueço, pois basta estar algum tempinho sem dar notícias para ela me procurar com a tradicional e deliciosa frase “Estás bem? É que nunca mais disseste nada…”

E tu, velho camarada de uma tropa separada, mas de uma vida que nos uniu? Conhecemo-nos no meu primeiro “part-time” e apesar de ser um desastre, ajudaste-me e logo ali ficámos Irmãos. Nunca li o que escreves, mas deste-me um conselho literário que só mais tarde compreendi e que alterou a minha escrita para sempre…Levaste-me mais tarde à tua casa, onde partilhámos a mesa e fumámos uns cigarros, levaste-me à tua terra e a uma aventura louca de passarmos uma noite no meio do mato, à beira de um rio, este em pleno Inverno, em que não ligando ao tempo, estava sobretudo preocupado por não ter rede no telemóvel…Como sempre desculpas-te o facto de eu estar sempre a refilar de qualquer coisa, apesar de seguir os teus conselhos sobre as broncas que dava nos empregos, nas namoradas, na vida…Por estranho que pareça, e embora falemos pouco, tu és das pessoas que me conhece melhor, e não passa um mês sem que telefones a saber se “continuo na mesma, ou se finalmente cresci…”frase curta mas que transmite todo o afecto que tens por mim e que reconheço com a minha amizade e local neste texto. Tu não és um amigo, tal como o Padrinho, tu és um Irmão…

E que dizer de ti, Patrícia, a Eleita? Conhecemo-nos sabes bem onde e não ficámos amigos à primeira, longe disso, fomos começando a dialogar aos poucos e de repente apercebi-me da tua enorme envergadura como ser humano, como Irmã, que me leva a admirar-te com todas as minhas forças. Na noite em que estava em Taizé na altura que o Irmão foi barbaramente assassinado telefonei para casa e para ti e para mais ninguém, apesar de ter um mundo inteiro a telefonar, prova do meu enorme respeito. Foste á minha sessão de contos de maior sucesso, o que significou tanto para mim como ainda hoje não imaginas, e eu fui ao teu casamento, o mais belo e simples casamento a que já assisti, e onde estiveste simplesmente divina, assim como és divina nos sms que me mandas e belos mails, que guardo com o máximo carinho por serem obras de arte da imensidão que devem ser preservados com a estima que se tem em quem se admira e entende muito para além do senso comum, pois estás longe de seres comum, tens uma sensibilidade que toca os céus, o infinito, tens uma sensibilidade transcendente que me está sempre, sempre a espantar. Poderias ser uma das melhores escritoras de sempre, pena é que não escrevas…De todas as imensas pessoas que conheço tu és a única que se apercebe da dimensão dos meus sonhos, o que te torna de facto única…

E por fim, tu, doce Borboleta, por teres sido a última a chegar, com que não trilhamos os caminhos do amor como eu desejava, mas trilhamos outros, por ventura mais prolixos que são os de uma doce e enorme amizade, no qual me inundas com os teus doces anjos e divinas borboletas, nos quais me dás doces palavras como nunca recebi de ninguém, me dás pedaços de literatura divina, sendo a minha grande inspiração para parte da vida e parte imensa da escrita, por te considerar das melhores, mais nobres pessoas que tenho a honra de conhecer e por seres uma escritora maravilhosa, cujas palavras afastam a frieza dos meus mundos literários e inundam este de um calor sublime que eu há uma eternidade estava a precisar, além do tal calor da amizade que tanto me faz falta. E tu estás sempre preocupada quando saiu para as minhas aventuras noctívagas, que me fazem um terrível mal, mas que a que quase não posso fugir para fugir e me encontrar, pedes-me sempre para “ter juízo” e eu até tenho não por mim, mas por respeito com a tua imensa pessoa, preocupações que estendes aos meus dias, apesar de estares ferida, preocupada com os meus vícios e maus hábitos, sempre, sempre preocupada, quando não partiste para sempre quando te dei motivos para tal, quando te mantiveste ao meu lado, quando outra pessoa teria de lá saído, e isso, isso eu não esqueço, jamais esquecerei, vindo de quem vem, de uma pessoa com a mesma envergadura moral, ética e sensitiva da Patrícia, com a mesma capacidade transcendente de entender docemente o infinito e que te torna em alguém sem igual, sem paralelo.

E foi por estas e por outras é que esta página em branco que me desafiava hoje teve de ser preenchida com mais alguns pedaços do pó das estrelas com os quais preencho a minha vida…