DE MACEIÓ, DE FORRÓ E DE MINHA AVÓ
Maceió/Al
Praia da Pajuçara
Set/2010
São 18:30h. Interessante, há muito por aqui anoiteceu. A orla da Pajuçara é fresca, agradável. O vento brando sopra constante nossas vestes frouxas, refrescando-nos os corpos sedentos de descanso.
Subitamente, enquanto caminhamos, somos alertados pelo som ritmado de forró atraindo-nos a atenção. Perscrutei atento sobre os ombros da mulher deparando, ao longe, junto aos bancos de cimento da feirinha de artesanato popular, um amontoado de gente. De lá, vinha o tal som ritmado do forró. Á vista dos bancos de cimento, as pernas cansadas nos puxaram pra lá.
Aproximando-nos do local as pessoas em volta não dificultavam avistar os três homens no entusiasmo dos instrumentos. Suas aparências bem modestas, trajes igualmente modestos, tocavam em volta de um tamborete sustentando um chapéu de coleta. Sanfona remendada no fole, triângulo e zabumba, lá estava o Trio Brilho do Forró. (o nome vinha escrito no couro, em volta da zabumba).
O ritmo constante não traduzia qualquer letra musical conhecida. A sanfona comandava, a zabumba seguia-a e o pequeno triângulo metálico subindo e descendo nas mãos ágeis do homem, trazia uma pitada saborosa ao ritmo com seus inesperados repiques.
E por ali ficamos bem 1h gozando da brisa e da música quando decidimos voltar ao hotel. Mal caminhamos de saída, começaram a tocar e a cantar Asa Branca! Ah, meu Deus! Vieram-me à memória aqueles inspirados e maravilhosos versos de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira: “Quando o verde de teus olhos/espalhar na plantação...” Prossegui caminhando, acompanhando o desenrolar da letra até a mulher me cutucar: “Amanhã quero voltar aqui pra comprar umas coisinhas.” “Ótimo!” Concordei.
Noite seguinte. Das coisas que me impacienta provocando o nervo ciático da perna a chiar é comprar com Maria Luiza. Perdida entre centenas de bancas, me arrastava atrás, aborrecido com tantas escolhas, rejeições e exigências. Restava-me, portanto, um caminho. Despistando de fininho, deixei-a com suas escolhas e fui para fora onde se exibia o Trio Brilho do Forró.
O trio hoje se transformara em duo; o triângulo jazia perto do chapéu por cima do tamborete. Mesmo assim, tocaram e tocaram sem os repiques do triângulo, indenes às minguadas doações.
Finalmente deram um tempo. Aproximara-se um vendedor de raspas de sândalo e pôs-se a conversar com o sanfoneiro. Passo seguinte, o vendedor se encaminhou para o meu lado reclamando para si: “Por dois não; é muito pouco... prefiro vender minha mercadoria.” Pelo visto, recusara a proposta para tocar o instrumento encostado. Interrompida a apresentação, aproximei: “Oi, pessoal!... que tal aquela, Um Passarinho Me Acordou, hein?” Os dois tocadores se entreolharam demonstrando desconhecer meu pedido. “Feira de Mangaio, conhecem? A mesma reação. Desisti. Voltei a sentar-me.
Mal acomodei no banco a mulher bateu em meu ombro: “Vamos?” De passagem parei frente ao chapéu. No seu interior uma única nota de dois reais e várias moedas. “Quebra em duas, parceiro?” Mostrei-lhes a nota de dez reais. “Estamos sem, dotô.” “Então fica!” Deixei-a cair no chapéu. Os olhinhos do sanfoneiro brilharam e ele me agradeceu fazendo uma série de mesuras.
A carinha agradecida daquele homem levou-me a pensar na bonomia e na simplicidade com que vive nossa gente. Contentar-se com tão pouco quando a potencialidade do país oferece tanto, mas, que, infelizmente, nas mãos de uma classe egoísta e insensível, alheia a bem gerir a coisa pública, leva-nos a viver quadros tais a estes.
Nos idos, minha avó dizia que o país se recuperava das pilhagens à noite enquanto os políticos dormiam. Hoje, chafurdando plenamente na corrupção, grassam qual a tiririca danosa nos canteiros férteis da política.
Será que eles não dormem mais?
Esta singela crônica deixo-a em homenagem a jornalista Cely Loureiro, cronista/contista alagoana, autora do livro de crônicas Circuntristeza, 1ª. ed. 1986, em cujas páginas pude, em setembro agora, aprender algo sobre elas.
Maceió/Al
Praia da Pajuçara
Set/2010
São 18:30h. Interessante, há muito por aqui anoiteceu. A orla da Pajuçara é fresca, agradável. O vento brando sopra constante nossas vestes frouxas, refrescando-nos os corpos sedentos de descanso.
Subitamente, enquanto caminhamos, somos alertados pelo som ritmado de forró atraindo-nos a atenção. Perscrutei atento sobre os ombros da mulher deparando, ao longe, junto aos bancos de cimento da feirinha de artesanato popular, um amontoado de gente. De lá, vinha o tal som ritmado do forró. Á vista dos bancos de cimento, as pernas cansadas nos puxaram pra lá.
Aproximando-nos do local as pessoas em volta não dificultavam avistar os três homens no entusiasmo dos instrumentos. Suas aparências bem modestas, trajes igualmente modestos, tocavam em volta de um tamborete sustentando um chapéu de coleta. Sanfona remendada no fole, triângulo e zabumba, lá estava o Trio Brilho do Forró. (o nome vinha escrito no couro, em volta da zabumba).
O ritmo constante não traduzia qualquer letra musical conhecida. A sanfona comandava, a zabumba seguia-a e o pequeno triângulo metálico subindo e descendo nas mãos ágeis do homem, trazia uma pitada saborosa ao ritmo com seus inesperados repiques.
E por ali ficamos bem 1h gozando da brisa e da música quando decidimos voltar ao hotel. Mal caminhamos de saída, começaram a tocar e a cantar Asa Branca! Ah, meu Deus! Vieram-me à memória aqueles inspirados e maravilhosos versos de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira: “Quando o verde de teus olhos/espalhar na plantação...” Prossegui caminhando, acompanhando o desenrolar da letra até a mulher me cutucar: “Amanhã quero voltar aqui pra comprar umas coisinhas.” “Ótimo!” Concordei.
Noite seguinte. Das coisas que me impacienta provocando o nervo ciático da perna a chiar é comprar com Maria Luiza. Perdida entre centenas de bancas, me arrastava atrás, aborrecido com tantas escolhas, rejeições e exigências. Restava-me, portanto, um caminho. Despistando de fininho, deixei-a com suas escolhas e fui para fora onde se exibia o Trio Brilho do Forró.
O trio hoje se transformara em duo; o triângulo jazia perto do chapéu por cima do tamborete. Mesmo assim, tocaram e tocaram sem os repiques do triângulo, indenes às minguadas doações.
Finalmente deram um tempo. Aproximara-se um vendedor de raspas de sândalo e pôs-se a conversar com o sanfoneiro. Passo seguinte, o vendedor se encaminhou para o meu lado reclamando para si: “Por dois não; é muito pouco... prefiro vender minha mercadoria.” Pelo visto, recusara a proposta para tocar o instrumento encostado. Interrompida a apresentação, aproximei: “Oi, pessoal!... que tal aquela, Um Passarinho Me Acordou, hein?” Os dois tocadores se entreolharam demonstrando desconhecer meu pedido. “Feira de Mangaio, conhecem? A mesma reação. Desisti. Voltei a sentar-me.
Mal acomodei no banco a mulher bateu em meu ombro: “Vamos?” De passagem parei frente ao chapéu. No seu interior uma única nota de dois reais e várias moedas. “Quebra em duas, parceiro?” Mostrei-lhes a nota de dez reais. “Estamos sem, dotô.” “Então fica!” Deixei-a cair no chapéu. Os olhinhos do sanfoneiro brilharam e ele me agradeceu fazendo uma série de mesuras.
A carinha agradecida daquele homem levou-me a pensar na bonomia e na simplicidade com que vive nossa gente. Contentar-se com tão pouco quando a potencialidade do país oferece tanto, mas, que, infelizmente, nas mãos de uma classe egoísta e insensível, alheia a bem gerir a coisa pública, leva-nos a viver quadros tais a estes.
Nos idos, minha avó dizia que o país se recuperava das pilhagens à noite enquanto os políticos dormiam. Hoje, chafurdando plenamente na corrupção, grassam qual a tiririca danosa nos canteiros férteis da política.
Será que eles não dormem mais?
Esta singela crônica deixo-a em homenagem a jornalista Cely Loureiro, cronista/contista alagoana, autora do livro de crônicas Circuntristeza, 1ª. ed. 1986, em cujas páginas pude, em setembro agora, aprender algo sobre elas.