AMBIGUIDADE

Ao saber que um sobrinho havia levado uma mordida, minha vizinha perguntou: "Afinal, quem mordeu o Pedro?" A resposta foi imediata: "Foi a cachorra da namorada do João neurótica."

Quem mordeu o Pedro foi:

1. a cachorra, que é neurótica e pertence à namorada do João?

2. a cachorra, que pertence à namorada neurótica do João?

3. a namorada do João, que, além de ser uma "cachorra", é uma

neurótica?

Uma simples palavra mal colocada e a confusão está formada. A frase rimou! Mas o assunto não é rima, é ambiguidade. Ambiguidade é a duplicidade de sentido em uma construção sintática, que permite mais de uma interpretação. A Língua Portuguesa é pródiga nisso. No cotidiano, uma expressão ambígua pode causar sérios problemas, principalmente se associada ao estresse, à falta de paciência ou a intolerância de certas pessoas. Imaginem uma situação dessas num acidente de trânsito, numa discussão de bar, numa contenda entre torcidas rivais... Já na Literatura até pode contribuir para o sucesso, especialmente dos poetas, como foi o caso de Fernando Pessoa. O problema maior é na prosa, principalmente quando a obra for traduzida para outras línguas.

Um exemplo disso aconteceu com o Professor Berthold Zilly, que teve dificuldades ao traduzir para o alemão "Memorial de Aires", último livro de Machado de Assis, cujo romance apresenta uma falta consciente de definição e clareza. "Um lema da obra dele poderia ser Dubito ergo sum. Descartes disse Cogito ergo sum, 'penso logo existo'. Para Machado vale 'duvido, logo existo'. Ele duvida de tudo, mas sem ser totalmente relativista", diz o Professor alemão. "É difícil traduzir Machado, porque há inúmeras frases que podem ser interpretadas dessa ou daquela maneira. Ele é notório pelas suas expressões e frases ambíguas. Numa frase do livro, o narrador diz: 'Já tenho embarcado e desembarcado muitas vezes, devia estar gasto. Pois não estou'. O que ele quer dizer com gasto? Acostumado, cansado, insensível, acho que é por aí. Mas não é o sentido normal da palavra, não é o convencional. E ele reiteradamente usa palavras fora do seu sentido convencional".

Na poesia, o não convencional é bem aceito, uma vez que ela se adapta melhor à varias interpretações. Mas, na prosa, a forma clara e fluente torna o texto mais compreensível, menos complexo e, portanto, pode atingir um número mais expressivo de leitores. Se a ambiguidade causa confusão nos neurônios nacionais, uma simples palavra ou expressão mal interpretada pelo tradutor pode causar um verdadeiro assassinato mental no estrangeiro. Cada língua é construída de uma forma diferente. Uma palavra que possui um duplo sentido numa língua não necessariamente o tem na outra. Ou o tem de outra maneira. Daí a confundir galhos com bugalhos é um passo...

Giustina
Enviado por Giustina em 10/10/2010
Reeditado em 14/02/2014
Código do texto: T2549368
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