Velhice complicada
Velhice complicada!
Já não se pode ser velho como antigamente. Até a velhice agora é complicada, cheia de exigências, cobranças e compromissos. Sempre esperei que, quando velha, pudesse cair na gandaia, isto é, ficar sem fazer absolutamente nada. Para mim, ser vovó era acordar cedo, tomar um bom café e passar parte do dia sentada, com o cãozinho esquentando os pés, fazendo um tricozinho ou lendo um livro bem fácil, que ninguém está aí pra quebrar a cabeça. Era assistir todas as bobagens que dá na TV, mesmo sem entender quase nada, fazer bolinho de chuva, pão-de-ló e biscoito para os netos. Ficar horas contando “causos” para os jovens, alguns verdadeiros, outros já não se sabe. Poder tomar um chazinho com as amigas e conversar sempre as mesmas coisas com o célebre intróito: “No nosso tempo...” Como vovó, eu esperava ficar de fora de qualquer decisão importante, que para isto estão aí os mais jovens. Ficar surda, enxergar pouco, bancar a desentendida e ir pra cama cedo: tudo isto segundo minhas próprias conveniências.
Mas isto já não será possível. Vovozinha agora tem que caminhar no parque todos os dias, frequentar academia, cuidar dos netos quando necessário e tomar todas as decisões importantes, já que os mais jovens estão sempre muito ocupados. A vó agora tem que se vestir na moda, aplicar botox, interlace e estar sempre com as unhas feitas, para os netos não passarem vergonha. Virou motorista da turma, com direito a acordar de madrugada e buscar em algum lugar e ainda ter que parar na esquina, para não ser vista. Ao invés dos bolinhos de chuva, longas peregrinações pelos Shoppings, nas horas mais barulhentas, pra comer um cheesburger caro e com gosto de papel. As crianças já não se interessam por histórias antigas e é preciso levá-las ao cinema para assistir filmes geralmente dublados, violentos ou chatos.
As vovós agora dão duro, que a vida não está fácil para ninguém. Vão pra faculdade e estão sempre tentando aprender coisas novas, seguindo conselhos médicos, para o cérebro não "atrofiar". Além disso, precisam viajar, participar de um grupo da “melhor idade” (expressão criada por algum jovem) e dançar aos domingos à tarde, para não parecerem depressivas.
Protesto contra tudo isso, mas enfim, me rendo. Sei que não poderei ser dependente e tenho que me virar sozinha. Tudo bem. Mas sem exageros, por favor. Não me obriguem a aprender a trocar pneu, que aí também, já é demais.
(Publicado em Salva-vidas Crônicas de oficina;organizado por Fabrício Carpinejar;Porto Alegre;nova Prova;2009)