Texto para o dia de uma afirmativa perfeita

Alexandre Menezes


            Não é que haja algo de novo. Certo é que o arrepio causado ao corpo  foi por ouvi-la dizer que adorava ser vagabunda. Por mais que a educação e o espanto pedissem para pensar de outro jeito, a mente, brincante e cheia de dedos, fazia-me no folguedo o mestre dos tapas na bunda.

            Ao tentar dormir, uma alegoria figurada rodeava os ouvidos. Retidas vezes, a mesma frase,  transformava a perda do sono em castigo. Conviver com projetadas cenas mentais vermelhas e difíceis de contar era punk. Imaginava e, sem o menor desejo de ser racional, seguia.

            E então a noite vagava na sua brincadeira eufórica. Criava personagens tortos para viver o conflito da promessa de um segredo e a vontade de fazer fofoca. Não se sabe  se um desejo de apenas dizer   tornou-se audível ou então que algo além do  bem mais que possível fosse. É provável que o instante exato não existiu. 

            A noite passou e nela ficou o registro de  retratos na memória. O sorriso bobo, instalado na face,  emoldurava a história   com qualquer imagem que pedisse. De fato poderia fazê-la rainha, freira, professorinha: poderia tudo, afinal, para sonhar, ajuda e aceitação não são necessárias. 

          Guardadas como verdades, ficaram inexistentes súplicas que, quando na mente realizadas, deixavam de ser mudas. Exausta, representava  com uma única afirmativa que, para sua noite, parecia ser a mais justa. Encarregava-me de interpretar  o que para ela fora. Somente precisava ouvi-la dizer que “adorava ser vagabunda”. Que a realidade enfim chegue.


Alexandre Menezes
Enviado por Alexandre Menezes em 10/10/2010
Reeditado em 01/09/2011
Código do texto: T2548512
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