Para viver um grande amor

Zé Caparica

Para viver um grande amor é preciso uma paciência do cão. O grande amor aparece do nada, nem sabemos quem é a pessoa e que costumes tem, mas de uma hora para outra estamos nos garantindo que se trata de um grande amor, talvez o maior de nossas vidas, talvez o único grande amor, o verdadeiro, o eterno, o que vai durar a vida inteira, aquele que se um morrer e a gente quer morrer junto.

Para viver um grande amor há que sublimar a realidade e fazer de nossas fantasias e anseios os pilares e sustentáculos de nossa vida. Nada ali entra em desarmonia e qualquer sorriso é capaz de encher nosso dia de paz e felicidade, na vontade louca de poder voltar logo e se atirar, de olhos fechados, cego de amor, nos braços da pessoa amada.

Para viver um grande amor há que ser ridículo ou, ao menos, não ter medo de ser ridículo. Há que se criar uma verve poética, capaz de produzir versos originais, nunca esses comprados prontos. Uma declaração de amor a um grande amor só se faz com palavras exclusivas, talhadas para aquela pessoa, peça única, sem imitação.

Para viver um grande amor é preciso vocação. Vocação em desvendar a alma do outro em busca de maneiras de ser que se possa compreender e se antecipar para que não haja debates ou desgastes chatos. Um grande amor vive de paciência e carinho, de gostar do defeito do outro, de achar charmoso o jeitinho do outro ser. Um grande amor se compensa pela alegria de dar. Quem esperar reciprocidade não vive um grande amor.

Para viver um grande amor é preciso aparar arestas e aplanar caminhos. Nunca esperar nada em troca e fazer sempre o máximo que estiver ao nosso alcance. Um grande amor se avalia pela alegria do outro. Vivemos um grande amor quando notamos que, sem chantagem ou discussão, o outro quer sempre ficar perto da gente. Nos procura, se interessa e está sempre atento.

Para viver um grande amor é preciso ter a alma aberta para mudanças e aprendizados. Temos que abrir mão de nossas convicções e nos possibilitar mudanças que tornem o relacionamento mais ameno e suave. Um grande amor é feito de paz e concórdia. O nosso grande amor não é a tábua de lamentações e sim nosso esteio de conforto. Um grande amor oferece o colo e não um lenço.

Para viver um grande amor é preciso, antes de tudo, não estar pensando em ter um grande amor. Grandes amores ocorrem, não se fazem nem se projetam. Não se sai de casa e se volta com um grande amor. Um grande amor é verdadeiramente grande. Talvez a grandiosidade seja a maior dificuldade de vê-lo por inteiro e tantas vezes perdemos a oportunidade de viver um grande amor.

Para viver um grande amor há que se fazer puro de alma e sereno de coração, há que buscar na companhia do outro apenas uma companhia, alguém que estejamos perto e possamos olhar e ser feliz por vê-lo feliz. Um grande amor não se equipara a um filho, não há qualquer similaridade, mas pode-se comparar a uma estimação. Um amor de estimação. Nunca falta água fresca, comida e carinho. Um grande amor não precisa de nada além disso.

Para se viver um grande amor há que se importar com a pessoa e não com seus detalhes. Todos os dias devemos celebrar o grande amor e assim celebramos todos os aniversários e todas as datas. Um grande amor merece sempre o melhor presente, e só quem vive um grande amor sabe o que pode ser a grande alegria de seu grande amor.

Para se viver um grande amor teremos sempre que procurar primeiro em nós a culpa dos eventuais fraquejos. Temos que buscar as soluções para que pequenos deslizes não se tornem grandes problemas. Um grande amor vive de perdoar e relevar e nunca de acusar e condenar. Um grande amor só se manifesta quando a paz reina entre o casal de forma a conseguirem conversar com os olhos e um ser capaz de adivinhar a respiração do outro.

Ou seja. Para se viver um grande amor há que ter um saco do tamanho de um bonde. Porque os grandes amores estão ficando cada dia mais raros e caros, chatos e infrutíferos. Um grande amor para durar toda a eternidade está reprogramado para durar uns 2 ou 3 anos. Mesmo assim metade desse tempo em discórdia e agressões de lado a lado. Um grande amor é avaliado pelo conforto que possa oferecer, porque a cultura do “ter” mais do que “ser” já empesteou os relacionamentos.

Um grande amor precisa de liberdade, mas só encontra vigilância e opressão. As coisas verdadeiramente importantes foram descartadas e hoje ama mais quem dá um presente caro na data que alguém ajudou a lembrar. Um jantar no restaurante que alguém ensinou. Uma noitada num motel que alguém já foi. Isso não é viver um grande amor. Um grande amor tem que ter em si, de maior e mais precioso seu próprio adjetivo: GRANDE.

Não se vive um grande amor com pessoas de alma pequena. Nem se vive amor qualquer. Se vive um festival de tesões e orgasmos, gritos e arrepios, mas que aparecem misturados à falta de respeito e compostura, e que nunca está disponível para as horas de necessidade. Para se haver um grande amor há que priorizar tempo. Há que haver dedicação. Um grande amor é como uma árvore que, depois de crescida, nada a tira dali e é um sustentáculo, mas quando ainda pequena precisa de muitos cuidados e dedicação.

Um grande amor tem que ser um projeto de vida. Não se sai em busca de um grande amor. Se busca na vida companheiros, parceiros legais, gente que pensa parecido, para que juntos tenham a idéia e o interesse de construírem um grande amor. Um grande amor só se manifesta quando a gente se sente pleno de carinho mesmo que a pessoa esteja ausente, longe ou de férias.

Para se viver um grande amor é preciso nos livrar desses amores menores, pequenos, de baixa qualidade, fundados em estética ou riqueza, em segurança material ou emocional. É preciso parar de amar pequeno para se poder viver um grande amor.