Lei da mordaça para humoristas e eleição de Tiririca
Que o Brasil é um país de paradoxos não é novidade para ninguém. O extremo da aceitação desse fenômeno é, talvez, a sua alcunha mais incômoda: Belíndia, termo criado, grosso modo, pelo economista Edmar Bacha para aludir à situação econômica do Brasil, promovida pelos militares na década de 1970, a qual apresentava marcos de desenvolvimento semelhantes aos da Bélgica e ao mesmo tempo, características de subdesenvolvimento comparáveis às da Índia. De lá para cá, tal paradoxo apenas se intensificou com a atual concentração de renda a taxas de 75% para os 10% mais ricos, conforme análises do IPEA.
Ultimamente um outro paradoxo tem tomado conta dos circuitos de debates acerca do que significa viver em uma sociedade dita democrática. É óbvio que tamanha altercação ainda não atingiu seu ponto máximo, como é de praxe neste país, antes, tomou ares de algo que apenas incomoda um pouquinho e produz um sem número de chacotas sem maiores implicações. Refiro-me à lei da mordaça para os humoristas em relação às piadas que freqüentemente são propagadas em época de eleição. Os ilustríssimos candidatos não estavam se sentindo à vontade com a possibilidade de serem vítimas de comediantes que lhes dirigissem sua irreverência. Alegaram que tal perseguição poderia ser prejudicial ao seu bom nome ante aos eleitores.
Concordo que ultimamente a qualidade do humor praticado no Brasil tem sido digna de alguns questionamentos. Programas como o Pânico na TV, ou o CQC e outros nessa linha, têm se dedicado puramente ao humor do constrangimento, ou seja, aquele pretenso humor que se propõe a partir da abordagem de alguma personalidade pública para o constranger diante das câmeras. Aqui não faço distinção entre os alvos destes programas, apenas aponto as características da estratégia humorística em voga. Aquele humor inteligente, sagaz, astuto, e mesmo insuspeito não é mais encontrado hoje em dia nas telinhas. Alguém ainda se lembra do célebre Planeta dos Homens e seu macaco filósofo, o Sócrates, com o seu bordão, “não precisa explicar, eu só queria entender”? E por que não mencionar, embora se trate de veículo impresso, o velho Pasquim, alvo dos militares que detonavam bombas nas bancas de jornal que os vendia? Entretanto, não obstante a queda da qualidade humorística de forma geral, nada justifica a censura, correto?
Pois bem, voltando ao tema do paradoxo: se os humoristas não podem se manifestar junto à figura de um candidato, como pode a lei eleitoral permitir que um palhaço como o Tiririca se apresente aos cidadãos eleitores, em horário pago pelos contribuintes, apenas para fazer palhaçadas sem apresentar uma única proposta sequer? Como podem os tribunais eleitorais permitir aquelas apresentações esdrúxulas sem o menor comprometimento político por parte do dito candidato, a não ser por uma manobra de setores da política para elegerem por tabela seus quadros? Acho que isso já não se enquadra na categoria de paradoxo, e sim de afronta. Acho que esses senhores das leis, os que fazem e os que se encarregam de promovê-las, acreditam piamente que nós, os cidadãos, já perdemos há muito nosso poder de reação. Aí está a expressiva vitória de tiririca para provar isso, pois eles nos dizem “vocês não podem mais nos ridicularizar, mas nós continuaremos no nosso direito de mantê-los como bufões da nossa corte.
E não me venham dizer que a eleição daquele Tiririca se tratou de uma forma de protesto por parte da população. Ao meu ver não passou da aceitação desse espírito de palhaço que nos é inerente. Espírito que vem se avultando sobre a nossa aura desde os tempos remotos da formação da nossa nacionalidade, a qual, diga-se de passagem, não se deu, senão, embaixo de muita porrada e sangue espirrado. Querem protestar de verdade? Então por que não paralisamos tudo nesse país, não explodimos alguns monumentos e sedes das instituições que nos massacram? Eu sei a resposta: MEDO. O riso e a palhaçada não passam de subterfúgio do medo. E assim podemos sofrer na cordialidade, como diria Sérgio Buarque, porém sem levar madeirada no lombo. Por tudo isso, digo que é o que merecemos, um Tiririca nas nossas vidas para nos fazer de palhaços. Mas, por outro lado, como bons e ingênuos palhaços que somos, imediatamente ocorre-nos a genial constatação: se o Congresso é lugar de palhaço, logo, qualquer um de nós tem chance de conquistá-lo também. Desse jeito vamos protestar pelo quê?
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