Menino

Dia de recebimento de mercadorias. Esse sem dúvida é o dia em que qualquer funcionário, de qualquer estabelecimento comercial do universo, de qualquer universo, deseja estar de cama para não ter que ir trabalhar.

Aquelas milhares de caixas, aqueles milhares de produtos, aquelas milhares de notas e os milhares de problemas estragam o dia do cristão mais fervoroso na fé.

Logo nada é tão ruim que não possa piorar – não sei quem me disse isso, mas de fato, não é a maior mentira do planeta – na minha correria entre um recebimento de caixas e outro, uma nota fiscal e outra, na porta do estabelecimento me aparece aquele ser maltrapilho.

- Tio me dá uma moeda?

Ok! Uma moeda não me faria falta. Entretanto, pensei comigo mesmo, também não resolveria o problema daquele pequeno ser moreno-poeira. Obviamente essa etnia não existe. Pelo menos nunca vi registros em livros de história ou mesmo nos de biologia. Mas esse era o aspecto daquele ser na minha frente. Usava uma camisetinha que podia se imaginar que algum dia já havia sido de cor branca. A falha na costura daquele frouxo shortinho, verde de nylon, se alinhava com uma marquinha na perna, indicativa de que alguma cerca de arame-farpado fizera mais uma vítima. O cabelinho crespo também tinha cor de poeira e necessitava por hora de uma aparada.

Os olhos parados para cima e as mãos abertas sem qualquer animação davam um ar de obrigatoriedade ao pedido. Nem um cobrador de impostos seria tão impetuoso.

Aquela cara fechada esperando a oferta, ou o imposto a ser pago – Até hoje me pergunto se não seria mesmo um cobrador de impostos dos tempos modernos – aumentava a apreensão de ambos.

Naquele momento me senti um pouco ameaçado. Talvez seria vítima de alguma forma de repressão no caso de em meus bolsos não se encontrarem proventos suficientes para o pagamento da minha dívida com aquele pequeno ser catarrento?

Arrisquei, apenas fechei a cara e sai com as minhas notas-fiscais na mão sem dar qualquer resposta ao farrapo na minha frente.

Afinal de contas, talvez não fosse à última oportunidade que teria de encontrar com ele. E não foi mesmo.

Há pouco tempo atrás eu estava de passagem em uma rua da cidade. Era uma avenida muito movimentada por carros que sempre passam em alta velocidade por ali. Talvez por este motivo não fosse um área residencial existindo por ali apenas algumas casas simples de pessoas que, provavelmente por total falta de opção, ali foram morar.

Acontece que ao passar por aquela rua o avistei. Sentado sobre uma pedra ele olhava para uma pastagem que ficava atrás da casa. Balançava a perna direita enquanto abraçava a pequena perna esquerda dobrada contra o corpo. O sol morrendo no horizonte parecia nascer novamente naquele rosto. Na face, iluminada pelo sol, ele trazia um sorriso leve. Parecia não pensar em nada, não se preocupar com nada. Olhava para o horizonte como se somente o sol estivesse a sua frente.

Ao ver aquela imagem pura e inocente deparei-me com um detalhe que não havia percebido no dia em que o vi pela primeira vez. Era simplesmente um menino.

Janderson Vaz
Enviado por Janderson Vaz em 08/10/2010
Código do texto: T2544123
Classificação de conteúdo: seguro