CARRINHO DE BRINQUEDO
Apuro o olhar e avisto algo em movimento. Depois de alguns segundos consigo identificar-lo: é um carrinho de brinquedo, tão pequenino, tão bonitinho... Em movimento. Parece não precisar de estrada para rodar...
Numa descida vertiginosa, algumas vezes brincando de esconder... Aparece, desaparece por entre as poucas folhagens. É fim de tarde. Quase fica invisível por causa do sol que se esconde. Engraçado. Parece que o sol hoje, e em muitos outros dias tem motivo de sobra para se esconder. Mostrar a cara pra quê? E pra se deparar com o quê?
Carrinho de brinquedo, onde estais? E o que fazes num lugar tão esmo? Pontinhos se movem pra lá e pra cá. Sinto falta de um binóculo, com eles poderia identificar até mesmo os gados que repousam embaixo do pé de juá... Lá no pico do monte!
Ah, aquele pé de juá que não perde a graça... Parece ter suas raízes no ribeiro e que até mesmo no tempo da sequidão permanece verdinho e dando frutos.
Carrinho de brinquedo... Começa a se mexer mais devagar. Sinal de fumaça... Êpa,consigo avistar em vários lugares! Onde há fumaça, há fogo! Será que o monte é um vulcão e eu não sabia? Só então me dou conta de que os pontinhos são homens que aproveitam o cair da tarde para começar a desmatar. O carrinho abre seus olhos e como um dragão vai apontando os locais onde a madeira tombada está à espera de quem a leve para alimentar fornos famintos... O carrinho de brinquedo desaparece com sua carga. Os pontinhos voltarão até deixar a montanha desnuda.
Bate uma tristeza tamanha, não tenho com quem falar... Carrinhos de brinquedos revelam seu verdadeiro tamanho, quando pelas estradas os vejo à noite... Sempre à noite, cheios de madeira, aumentando o desmatamento, e acelerando um processo destrutivo, cujo alcance nenhum homem até hoje foi capaz de mensurar.
E eu aqui em baixo, parada, olhando, sem poder nada fazer...