O QUE EU GOSTO MESMO É DE COZINHAR...
Eu gosto mesmo é de ficar na cozinha mexendo a colher numa panela com umas comidinhas que eu acho saborosas. O som do CD flutua ao ambiente em volume alto reproduzindo boas músicas lisérgicas. Um copo de cerveja bestamente gelada orna e se destaca sobre a pia bagunçada. Nos tempos de frio, bem pode ser um copo de vinho tinto. Os sons crispados e perfumados dos elementos frigridos e cozidos ao fogo ajustado devem falar por olores que me despertem o apetite de querer sentir os sabores à língua, à boca. E como é bom trocar impressões e idéias conjuntamente à feitura e disposição dos ingredientes. Para ajudar, se há uma mulher ao lado conversando enquanto trabalho, o luxo do instante ganha prazer redobrado. O feminino encorpa qualquer caldo e traz ao prato um tempero especial, diferenciado. É só observar a delicadeza com que uma mulher despeja uma especiaria à uma carne, à um guisado, por exemplo, contrapondo-se às mãos toscas e desjeitosas dos homens - Mas tem um detalhe nada desimportante que me festeja à presença feminina. A voz amaciada de uma mulher nos ecos dos azulejos e ladrilhos da cozinha, traz-me arrepios à nuca. Engraçado. Nunca havia reparado nesse detalhe até há pouco tempo atrás, mas fazendo uma viagem ao passado constatei que sempre senti esses calafrios espinais. E só ocorrem na cozinha e enquanto cozinho ao lado das mulheres. É muito bom de perceber-se de como a voz feminil somatiza-se aos aromas que entram pela via nasal e sensibilizam-me toda a região circundante à cabeça e pescoço. Coisa de doido. Um doido eriçado - Enquanto desenvolvo a refeição ou, até, pequenos petiscos, sempre como ali mesmo, ao pé do fogão, sozinho, a quota que tenho a digerir para sanar-me a gulosice. Depois de pronta a "arte", apenas a sirvo aos outros. Jamais participo da comilança. Daí então o meu divertimento é apenas observar nos outros as reações aos sabores. Alguns manjam, se lambuzam e estão o tempo todo a rondarem o prato. Outros apenas apreciam com moderação e uns, ainda, detestam, detestarão, detestariam e recomendam, sem reservas, a pizzaria ao lado de casa, que, diga-se de passagem é muito boa. Mesmo oferecendo-se um jantar boca-livre, há implacavelmente um preço caro a se pagar que não é necessariamente o custo dos componentes alimentícios. Mas vale-me muito e todo esse processo me presenteia e me satisfaz nos meandros do "alimentar-me" e "alimentar". Esse caos culinário gerado é o meu paraíso.
Escrever, para mim, também resume-se apenas a isso só que transportado às letras. Eu nem poderia ou saberia alimentar a minha alma de uma forma diversa à carne.