Nossos antepassados e a cegueira
Nossos antepassados e a cegueira
Não são poucos os estudos e diversos achados arqueológicos, (esqueletos, encontrados em Krapina ao norte da Iugoslávia, numa gruta de Baye, no Vale do Petit Morin, na França, desenhos em paredes encontrados na Caverna de Cosquer ou de Cargas, etc), que comprovam que ainda na pré-história, o “deficiente” encontrava de seu grupo alguma piedade e respeito.
(Fotos de Jean Clottes e Luc Vanrell
Há relatos na história que mostram que nossos ancestrais mantinham uma estreita relação com o “deficiente”, inclusive com o cego. É certo que essa complacência, “inclusão social”, - não muito diferente dos dias de hoje - tinha seu preço; às vezes a perda de um dedo ou mesmo da vida, como era o caso dos mensageiros da tribo ASHANTI que até hoje vive na parte Sul de Gana, a Oeste da África.
Nativo Ashanti
“Esses mensageiros com deficiência física eram destacados para missões delicadas, como, por exemplo, a iminência de guerra com tribos vizinhas. Em geral a mensagem do rei ASHANTI era incisiva e terminava com um recado enfático do arauto: "Se esses termos não forem aceitos, poderei ser morto agora mesmo". Parece que isso não acontecia, entretanto. Os inimigos limitavam-se, por exemplo, a cortar um dos dedos do arauto, o que equivalia a uma declaração de guerra. Além dessa perigosa missão, os homens com deficiência eram utilizados como inspetores sanitários ou coletores de impostos. Eram também utilizados como bufões e tinham o privilégio de dizer a seu mestre o que bem entendiam. Foram também usados como espiões.” Ou ainda a participação em atividades que lhes eram possíveis, como a pesca e a tomada de decisões importantes, por exemplo.
“Para os nativos AONA que residem ainda nos dias atuais à beira do lago salgado de Rudolf, no Quênia, numa ilha conhecida como Elmolo. Os cegos mantêm uma relação estreita e direta com o sobrenatural. Para eles, os espíritos dos sobrenaturais moram no fundo do lago salgado e orientam diretamente os cegos quanto aos locais onde há fartura de peixe. Assim, os cegos sempre participam das pescarias primitivas. Atiram suas lanças na direção onde existem cardumes. É compreensível que, entre os AONA os cegos sejam muito bem tratados.”
“Já entre os nativos da raça SEMANG – habitantes de parte da Malásia - só pessoas que se movem com o auxílio de um bastão ou de uma muleta, devido a um defeito físico ou à cegueira, é que são procuradas para orientações ou para decidir disputas.”
Não é minha intenção fazê-lo acreditar que essas atitudes de aceitação e afeto para com o “deficiente” eram praticadas por todas as nossas sociedades primitivas; mas, quero ressaltar que elas merecem um lugar de destaque na historia; afinal, como se vê, atitudes positivas como essas não são exclusividades nossa, raças mais “cultas, evoluídas”.
Na verdade, nossa geração vem apenas ao longo dos anos reproduzindo e aperfeiçoando os métodos truculentos de exclusão social desenvolvidos por nossos ultrapassados “pais”, desde os primórdios da humanidade; quando a cegueira era tida como um castigo de Deus. Pois, assim como em nossa sociedade há, conforme autoridades da Antropologia e também da Medicina, entre nossos ancestrais, do mesmo modo havia e ainda há aqueles que tratam o “deficiente” das mais distintas maneiras, que vão de um extremo a outro, do desprezo, intolerância e até a aniquilação. Como faziam nossos índios Tupinambás.
“Entre nossos antigos índios TUPINAMBÁ do século XVI, o adulto doente ou deficiente por ferimentos graves de guerra, de caça ou devido a acidentes da vida na floresta era deixado à vontade em sua cabana, praticamente sem contato algum com o restante da tribo. Ficava sem comer e sem beber, se assim o desejasse. Podia pedir alimentos, que lhe seria fornecido pelo tempo que considerasse necessário, mesmo que pelo resto de sua vida. O que em geral acontecia, porém, por posicionamento do guerreiro ferido, era que acabava morrendo à míngua.”
Como se percebe essas más ações praticadas por nossos “parentes” mais próximos, - o que em parte justifica nossas vergonhosas atitudes para com aqueles que têm necessidades especiais, pois é possível que as tenhamos herdado deles. – constituem atitudes que foram e ainda continuam sendo praticadas por outros grupos primitivos mais complexos, em sua maioria em função de suas crenças no sobrenatural, em maus espíritos, desarmonias com a natureza, cultos, mitos, e até mesmo por uma questão de comodidade para assegurar a sobrevivência do grupo como é o caso dos Chiricoa, e de tantos outros. Inclusive o nosso.
“CHIRICOA - Eles habitam as florestas colombianas e andinas e mudam-se com facilidade ou de acordo com as exigências para sobrevivência do grupo. Esses índios, tanto quanto certas tribos do Caribe antigo o faziam, abandonam pessoas muito idosas ou incapacitadas por doenças ou por mutilações, por ocasião de suas mudanças. Cada membro da comunidade carrega tudo o que pode levar e transportar pela selva, e que é considerado como estritamente necessário para sobreviver. Essas pessoas com deficiência ou muito velhas e doentes terminem seus dias abandonadas nos antigos sítios de morada da tribo, por não poderem movimentar-se ou por não serem consideradas como fundamentais para a sobrevivência do grupo.”
Que apesar de viver alguns milhares de anos à frente disso tudo, - eu particularmente acredito que nossa galáxia tenha apenas um pouco mais de seis mil anos, e não bilhões. -, no que diz respeito ao trato com o “deficiente”, em especial o cego, nossa civilização “culta e superior” em nada evoluiu; pois continua reportando-se ao passado e praticando as mesmas barbáries de nossos antepassados. Só que com um pouco mais de requinte e desfaçatez.
Os que podem, ficam em asilos “sob os cuidados de parentes ou mão de obra terceirizada”, e os que não podem, na rua mesmo, nas sarjetas da vida; abandonados à própria sorte. – Mas, peraí! Não era isso que faziam os tupinambás? esquimós, sirionos, ajores...? Ah! Deixa pra lá. Quem se importa? - Se nossos “pais” nos vissem hoje, decerto que ficariam orgulhosos. Aprendemos direitinho.
Wilsomar dos Santos
Bibliografia:
¹ http://www.gforum.tv/board/1747/231590/deficiencia-na-historia.html
² Borges, Antonio. Um Pouco de História