Nascimento
O trânsito lento, O semáforo com a luz vermelha desorganizava ainda mais aquela avenida caótica do centro de B. H. Naquela tarde, de setembro o tempo parecia não passar. Talvez, jamais um setembro houvesse sido tão quente na capital mineira.
Para piorar, tamanho mormaço e desarranjo, havia em frente ao hospital um corpo imóvel e repugnante.
Na frente do hospital todos os que ali passavam contavam com o desprazer de dar com aquele corpo sentado na calçada.
Ninguém se continha em dizer, pelo menos consigo mesmo, o descontentamento com aquele trapo-humano sentado às 16 horas em frente ao hospital. Com a roupa suja e o corpo molhado de suor ele estava ali sentado em frente ao hospital. Um rapaz que passava apressado não se ateve em dizer em voz alta: “Esse país fede carne podre e preguiçosa”. Compartilhando do mesmo sentimento um outro senhor, engravatado, apenas balançou a cabeça com um sorriso sarcástico e jogou o paletó sobre o ombro.
Todos passantes o olhavam pensando quais seriam os motivos para tamanha demência àquela hora da tarde. Talvez pura vagabundagem, talvez loucura, talvez o vício, talvez o desemprego e as milhares de mazelas conseqüentes, tivessem corrompido toda e qualquer esperança da cabeça daquela figura magra.
Com as mãos na testa escorando a cabeça, que parecia pesar mais do que o restante do corpo. Ele estava ali.
A camisa social, com os botões abertos, mostrava que o sol já estava quase a vencer aquela batalha, que cedo ou tarde aquele corpo já estaria deitado na calçada causando ainda mais repulsa aos transeuntes. A calça, de um tecido fino marrom, preconizava ainda mais com a situação miserável daquele sujeito. Vagabundo! Aquele era sem dúvida um retrato de um país que não cresce e não merece crescer. Um peso, um atraso, um lixo em um país miserável.
Algumas pessoas, que sentadas na praça em frente admiravam com assombro aquele ser, lhe dedicaram ainda mais atenção quando da chegada de um policial junto ao indivíduo. E maior foi a admiração de todos quando o policial, após uma rápida troca de palavras, se afastou sem nenhuma medida de advertência ao sujeito.
O comentário agora na praça era de total indignação. Um vagabundo em meio a todo aquele caos da capital, aquele calor, aquela movimentação sem fim dos carros e das pessoas. O sol, agora, parecia queimar ainda mais intensamente toda aquela massa cinza e fétida que era B. H. naquele setembro. Os motores pareciam mais barulhentos, os semáforos pareciam criar braços em seus mastros e deslocavam os carros um para cada canto, as pessoas pareciam correr desesperadamente de pudor daquele corpo inútil sentado na calçada.
Em meio a todo esse caos, em meio a toda movimentação alarmante dos veículos e pessoas odiosas e indignadas com aquele ser desprezível e vergonhoso que estava sentado em frente ao hospital, tudo se calou. Uma pessoa gritava do quarto andar por aquele cidadão sentado na calçada. Uma mão acenava e chamava. Era um gesto alegre.
Aquele cidadão se levantou sacudiu a poeira e abriu um largo sorriso com o rosto iluminado pelo sol daquele alegre setembro, daquela tarde iluminada e bela. Havia trabalhado a noite inteira, mal tinha forças para ficar de pé e desde as 13 horas estava sentado ali esperando pelo filho, que agora, acabara de nascer.