FULANOS, SICRANOS E BELTRANOS
Jovem, magrinho, pele levemente avermelhada do sol da praia de Atalaia, cabelos aloirados, finos e lisos, olhos verdes, jeito francês, gestos de Rudolf Nureyev. Era assim o meu colega de faculdade, um ser diferente do ninho. Filho de uma família interiorana, nascido em um sítio, o pai caboclo, a mãe não conheci.
Fulano gostava da sofisticação, do vinho, da música francesa, da língua dos parisienses também, do perfume idem. O seu jeito de andar era um espetáculo de balé clássico, a voz quase de moça. Quem sabe você já espera que eu diga a palavra gay. Sobre isto também comentavam.
O tempo inteiro Fulano dizia de seus planos de vencer na vida, de conhecer a Europa. Conseguiu depois de brava luta, muito estudo, concurso para o magistério público, aulas em estabelecimentos de ensino da rede privada e alguns anos de poupança. Poupava, mas jamais renunciou à fachada, às roupas finas, aos melhores eventos sociais. Os colegas pensavam que Fulano era um filhinho do papai até que um dia nos levou ao sítio.
Depois do passeio ao sítio alguns se afastaram de Fulano. Aí foi que ele caprichou mais em busca de seus objetivos de finesse. E foi conseguindo. Adquiriu endereço nobre, carro do ano, mais roupas e acessórios indicadores de riqueza. Fazia um tipo perfeito, Fulano. Tentou organizar o sítio, o pai, mas este continuou fiel à sua criação de cabritos e ao cigarro de palha. Não apreciava aquelas companhias intelectuais do filho. Cada um na sua. Cada texto com sua panela.
Não apenas Fulano, mas todos da turma de formandos em Letras nos espalhamos pelos campos educacionais. Fomos nos distanciando uns dos outros pelos oceanos da vida, cada um com seu navio.
Depois de mais de dez anos sem saber notícias de Fulano, eis que numa manhã deste setembro nos encontramos à porta do prédio da Administração Pública. Abraços, beijinhos afrancesados, alegria. Cadê você, onde esteve, que fim levou e tudo o mais que merece uma ocasião assim.
Esteve pelo mundo, visitou tanto a Europa que mais europeizado ficou.
Mais afrancesado, digamos assim, pois o rapaz tem licenciatura em língua francesa. Passeou em praias de categoria A. Mudou para um endereço mais nobre ainda. Está um coroa charmoso e discreto. Que faz da vida sentimental eu nem sou maluca de perguntar.
Véspera de eleições, este foi o assunto. Aí começou o Fulano a reclamar. Logo ele, que veio do sítio, que batalhou tanto para sair da condição de humilde, disse: Sabe, Tânia, de nada disto do Brasil estou gostando. Imagine você que eu fui visitar a empregada da minha mãe e voltei da porta. Por que, Fulano? Porque lá, na casa da em-pre-ga-da eu vi de tudo que eu tenho: sofás, TV LCD, micro, etc. e etc. Você não está vendo que isto não combina, Tânia?
Dessa crônica, tire o leitor suas conclusões. E se pergunte o que achará o todo poderoso a vida inteira, nascido em berço de ouro, de família de nome, sobrenome e renome ao ver uma doméstica poder ter, na sala de sua casinhola dos programas habitacionais, uma tela onde vê a novela preferida. E o que mesmo pensaria um nobre de pedigree da figura de Fulano que, de refinamento, só tem a capa.