A Arte dos Chatos em Me Tirar a Paciência

Escrevi na primeira e na terceira pessoa porque senti necessidade.

Estava pensando com os meus botões sobre esse lance de encontrar semi-conhecidos na rua e a vontade de sumir quando os vejo. Não por ser desumilde ou esnobe ou coisa do tipo, é que tenho pavor de conversa improdutiva, que eu não sei manter - e nem tenho vontade de. Isso ocorre principalmente com gente que conheci em algum tipo de emprego que tive. Não tem jeito, é sempre a mesma coisa.

- Oooi, tudo bem?

- Ah, bem, e com você?

- Tudo.

Silêncio. Talvez a tentativa de encontrar alguma vivência em comum. Mas não há nenhuma que seja relevante, pois é apenas um semi-conhecido, alguém que se conviveu por um tempo na base do "oi tudo bem?" protocolar e falso.

- Eae?

- Eae?

Outro silêncio. E é previsível que virá AQUELA pergunta irritante. Que você tem pavor de responder:

- Eae, AINDA trabalhando LÁ?

Aí você se sente um pouco envergonhado de responder que AINDA está trabalhando LÁ, porque a pessoa que te fez a pergunta NÃO trabalha mais LÁ, e ela faz a indagação com um tom que mostra o quão fracassado você é por AINDA trabalhar LÁ, naquele lugar que ela saiu.

- Sim, ainda trabalho lá...

- SÉRIO MESMO?

- É, sério, e você?

- Ah, tô trabalhando na *nome da empresa*

Aí você pára e pensa: porque que esse maldito infeliz fica com esse ar de superioridade sendo que ele está numa situação PIOR do que a sua? Aconteceu comigo: eu entrei na empresa que AINDA trabalho com o tal ser humano. Passaram-se seis meses eu fiz um processo interno lá e fui promovido. Minha jornada de trabalho foi reduzida (inclusive deixei de trabalhar aos sábados) e meu salário aumentou. E a pessoa continuou no cargo inicial, trabalhando aos sábados e ganhando menos do que eu. Daí passam mais seis meses e eu faço uma prova na área que estou e sou promovido. Minha carga horária aumenta e meu salário também. Chego a ganhar quase bem. E a pessoa lá, estressada, reclamando que a empresa não dá oportunidades. Mais seis meses, outra prova, outra promoção - mas esta sem aumento de salário ou de carga horária, apenas uma alteração no nome e uma função mais amena a exercer. E a pessoa lá, abatida, com olheiras, com meia dúzia de advertências no rabo, falando mal da empresa, reclamando do salário, que tudo é uma merda e que eu tive sorte em me livrar daquele cargo que ela está tem quase dois anos - e por sinal da turma que entrou conosco é a única que ficou lá estagnada.

Mas o infeliz tem sorte e consegue ser mandado embora. Ganha as multas, todo aquele monte de dinheiro e fica cinco meses bundando no Seguro Desemprego. E aí no terceiro mês do Seguro te encontra na rua e fala:

- AFF, ainda bem que me livrei daquele lugar. Por que você não procura coisa melhor?

E você cai nessa idéia furada e pensa: é verdade. Já tenho um bom tempo de casa, preciso de novos ares, a empresa não tem mais oportunidade e eu sou um azarado miserável que não consegue ser mandado embora.

Passa um ano, dois, aí você encontra aquela pessoa no ônibus e aquela história se repete:

- Oooi, tudo bem?

- Ah, bem, e com você?

- Tudo.

Silêncio. Talvez a tentativa de encontrar alguma vivência em comum. Mas não há nenhuma que seja relevante, pois é apenas um semi-conhecido, alguém que se conviveu por um tempo na base do "oi tudo bem?" protocolar e falso.

- Eae?

- Eae?

Outro silêncio. E é previsível que virá AQUELA pergunta irritante. Que você tem pavor de responder:

- Eae, AINDA trabalhando LÁ?

Você responde que sim, meio sem graça, pois ali está um baluarte da evolução profissional; alguém que compartilhou com você a experiência do primeiro emprego e agora está numa melhor, ganhando bem, num emprego feliz e com um carrinho na garagem. E pergunta onde o infeliz tá trabalhando e ele responde que é na empresa X. E a empresa X é a concorrente imediata da empresa que você trabalha - e que por sinal é bem inferior. E a resposta vem na ponta da língua:

- SIM, AINDA estou LÁ! E durante o tempo que estou LÁ, fui promovido TRÊS vezes enquanto você entrou LÁ num cargo miserável e saiu de LÁ num cargo miserável de salário pobre de recém-saído do ensino médio público - porque é isso que você é e é isso que eu sou também mas, ao contrário de você, eu corri atrás e explorei o que aquele lugar LÁ tinha pra me oferecer em matéria de crescimento profissional e financeiro enquanto VOCÊ só soube pregar o rabo naquela cadeira e exercer aquela funçãozinha onde a necessidade de Q.I inexiste. Pois bem, e agora cá estamos, você me hostilizando com esse olhar de hiena se sentindo a Superioridade em pessoa e o que me diz? O quê? Que saiu de onde eu tenho um cargo bacana PORQUE EU BATALHEI POR ISSO para entrar na concorrente e TRABALHAR MAIS DO QUE EU e ganhar a METADE DO MEU SALÁRIO? Ok, vou descer, vamos marcar uma cervejinha no sábado. AH, É, desculpa, você trabalha de sábado né? Esqueci. Bom, vou lá, pra LÁ, porque AINDA tenho um emprego que me permite desfrutar uma tarde de sol aos sábados... Beijos.

Algum erro de digitação - ou de qualquer outro tipo -, por favor, me avise. Obrigado!

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 06/10/2010
Reeditado em 06/10/2010
Código do texto: T2541969
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