Conventos
                              abandonados: pode?

     Se há um convento franciscano que conheço bem, este é o de São Francisco, no Centro Histórico de Salvador. Nele morei três meses quando, nos idos de 1957, deixei o Ceará e me mudei definitivamente para a capital baiana.
     Tinha um tio frade e era ex-seminarista seráfico e essas duas coisas viabilizaram minha hospedagem no mais belo convento franciscano do Brasil.
     Dando sempre ao que escrevo um discreto toque de memórias - embora tenha prometido jamais publicá-las - queria, aqui, recordar que morei no convento de São Francisco da Bahia numa época de ouro.
     Ele acolhia os clérigos que faziam o curso de Teologia, a última etapa a ser por eles cumprida, antes de alcançarem o presbiterato. A presença desses estudantes de hábito movimentava os claustros, e lhes dava a inconfundível e inigualável alegria franciscana. Um ambiente que me encantava.
     Ocupei uma cela que dava para a Baixa dos Sapateiros. Sempre que chegava à sua janela, assobiava a conhecida canção do Ary Barroso.
     A distância que separava o convento da famosa rua, não me permitia ver as mulatas frajolas que inspiraram Ary. Fazia, porém de conta que as via passando com aquele requebrado dengoso, que a baiana tem...
     De minha cela também via o jardim do convento, e os frades que cuidavam, com o mesmo carinho, do pé de rosa mais bonito e mais famoso e da plantinha anônima, modesta, nascida por acaso; de surpresa.
     Além das flores do jardim, que enchiam meus olhos de um prazer imenso, recebia, na minha janela, o dia todo, passarins de várias espécies, do mais nobre ao mais fuleiro, como se diz lá no Ceará.
     Pousavam suavemente. E com a pureza dos seus gorjeios, quebravam o silêncio da clausura e dos claustros. Claustros que guardam, nas suas paredes, a segunda maior azulejaria portuguesa do planeta.
     É um convento enorme. Nunca contei, mas andei sabendo que ele tem mais de 60 quartos, ou celas, se quisermos continuar usando a nomenclatura conventual.
     Nele funcionou uma tipografia onde era impresso o Mensageiro da Fé, um jornal bem seráfico, feição gráfica excelente, veiculando notícias da Igreja, da Província franciscana, e publicando matérias do mais elevado gabarito, assinadas por religiosos e por leigos ligados aos frades.
     Pegada ao convento, está a igreja de São Francisco de Assis, com seus altares doirados, seus móveis de jacarandá inteligentemente trabalhados e seus azuejos pregadores.
     Numa capela lateral, à direita de quem entra, está a imagem de São Pedro de Alcântara, apontada por autorizados críticos, como uma das mais perfeitas e mais belas imagens de santo do mundo.
     Fiquei, agora, sabendo, que existem 15 conventos franciscanos no nordeste do Brasil. Conventos centenários, vale ressaltar. Conheço alguns deles, mas de passagem. Os de Recife e de Olinda, por exemplo.
     De perto, além do convento de Salvador, conheço o convento de Penedo, lindíssimo. Acho que do século 17, não me lembro. De suas janelas,  avista-se o Velho Chico.      Relativamente próximo, o grande rio parece querer, na sua passagem a caminho de sua foz, deixar uma saudação fraterna aos filhos de Francisco que habitam sua clausura. Pensei nisso.
     No convento de Penedo estive hospedado durante uma semana. Na ocasião, testemunhei a preocupação do seu guardião, à época Frei Arnaldo Motta e Sá, meu ex-colega de seminário, de não deixar que aquele fantástico momumento religioso, bem castigado pelo tempo, viesse abaixo.
     Com uma ajuda de algumas autoridades, Arnaldo conseguiu o mínimo para manter o convento de Penedo mais ou menos conservado. 
     Pois bem. O jornal A Tarde, de Salvador, acaba de publicar uma reportagem, com este título: "Conventos históricos do Nordeste em estado desolador."
     O repórter descreve, ou melhor dizendo, denuncia o estado de progressiva deterioração em que se encontram os conventos franciscanos do nordeste brasileiro. E cita, entre outros, os conventos do recôncavo baiano.
     Não se pode negar que há, por parte das nossas autoridades constituídas, um completo descaso pelos monumentos históricos deste país, incluindo, as igrejas e os conventos seculares.
     Na Bahia, com tantos templos centenários, eles não recebem o tratamento devido dos poderes públicos.
     Por isso, vez por outra, se tem notícias de que este ou aquele templo católico, do século tal, pode ruir a qualquer momento. Sem ter para quem apelar, os vigários pôem as mãos na cabeça.
     Vi, em quase todos os países, que tive a oportunidade de visitar, como suas autoridades cuidam bem de suas centenárias igrejas e de seus antiquíssimos monastérios.
     Cobra-se pela visita. E daí? A renda ajuda a manter intacto o monumento religioso histórico.
     No nosso nordeste, é proibido cobrar um centavo do turista que visita nossas igrejas e conventos centenários.
     Aqui em Salvador, um frade, guardião do convento e da igreja de São Francisco, sofreu restrições porque cobrou uma simbólica quantia dos turistas que visitavam o belo complexo arquitetônico seráfico que estava sob sua guarda e responsabilidade. Teve que recuar.
     Dada as minhas estreitas e excelentes ligações com os franciscanos, achei que, diante da denúncia do jornal A Tarde, não devia silenciar.
     E também achei que o assunto não deveria ficar somente ao alcance do povo baiano.
     Daí minha pressa em colocar a denúncia na internet, através de uma crônica, como o faço aqui. Na esperança de que ela chegue rápida a quem tem computador, e àqueles que se interessam em ver preservados os nossos conventos e igrejas seculares. 
     O convento de São Francisco, por exemplo, fica no Terreiro de Jesus, pertinho do badalado Pelourinho, onde se gasta verbas astronômicas recuperando casarões antigos que não resistem a um aguaceiro mais ousado. 

NOTA - Na foto, eu, numa janela do belo convento franciscano de Penedo. Ao longe, o Velho Chico.

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 06/10/2010
Reeditado em 11/02/2014
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