Sexo, poder e tragédia no sertão
Acabei de ler “Peste e cobiça – a inveja e o ódio tramam contra o amor no alvorecer do século XX”, do escritor paraibano Tião Lucena. É mais uma aventura sertaneja descrevendo tragédias que envolvem política, poder e sexo, sendo que, de todas as tragédias, a da alcova é, de longe, a mais terrível, conforme Tolstoi.
O livro fininho, mas de alta estatura, rico em detalhes históricos de um crime ocorrido em Princesa Isabel no início do século XX, envolvendo figurões da sociedade local, com a participação de um padre indecoroso, no tempo em que a política dos coronéis ditava até a vida privada das pessoas. Os eclesiásticos também se metiam em tudo na sociedade de então, principalmente nas pequenas comunidades. Até o que se passava entre marido e mulher os padres queriam julgar e dar opinião. Assuntos de sexo que eles deveriam ignorar por causa do voto de castidade, eram por padres e bispos mediados. A solicitude dos religiosos levava-os a comer as beatas, para melhor entender os problemas de alcova.
É enredo que parece roteiro de filme de bang-bang nordestino, temperado pelo estilo seco e direto de Tião Lucena, romancista que expõe os fatos com um realismo estarrecedor. No opúsculo (pequeno no formato, mas enorme na qualidade), Tião reabilita o doutor Ildefonso, morto covardemente por motivos religiosos, políticos e amorosos, uma tríade que já deu causa a muitas guerras mundo afora.
Alguns já observaram que Tião Lucena trabalha com enredos fantásticos, sendo um escritor de ação cujos personagens e cenários remetem à literatura de um Gabriel Garcia Marques. É que o ponto nuclear das tramas de Tião chama-se Nordeste, Paraíba, regiões onde a realidade por vezes supera os maiores absurdos e fere as leis da lógica. O impacto da linguagem de Tião Lucena casa com a necessidade da percepção dessa realidade louca, crua, perversa, antiquada e fantástica. A narrativa de Lucena é um retrato da condição humana em sua terra, delineado pela luz forte e sobrenatural do alto sertão.
Depois de ler “No tempo das coisas singelas”, do mesmo Tião Lucena, e devorar este “Peste e cobiça”, comungo com a opinião da escritora Clotilde Tavares: “Como parar de ler Tião Lucena? Impossível. Tião é polêmico, desbocado, atrevido, corajoso, indecente e engraçado. Não se pode ficar indiferente ao que ele escreve. E, uma vez começada a leitura, não é mais possível parar”. Esta é a maior virtude e habilidade de um bom escritor.
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