Sem par
Quente, ardente, fumegante lente que não se separava de sua alma: ambos esculpidos em carne e osso. E como se não bastasse ainda deram-lhe nome, para que nas noites solitárias pudesse eu ter uma palavra a qual recorrer.
Então, ali era minha salvação: a palavra. Semi-perdido, semi-morto, qualquer outra palavra, entretanto, não me saía da boca, só aquela. Nem nenhuma por mais que eu insistisse, recorrendo inclusive às nossas memórias, em outros textos, onde eu tinha idolatrado um ou outro substantivo, ou advérbio que seja, naquela condição só uma de todas me valia, e nela eu podia encontrar todo o sentido da minha existência, do planeta, o sentido do universo - o nome dela.
Não era só a química que existe entre duas pessoas, a atração magnética que é capaz de envolver e inebriar os sentidos. Eram as lentes que ela trazia junto ao seu peito, ao lado do coração. Era o mundo que eu conseguia desvendar a partir daquela perspectiva libidinosamente deslumbrante. Era o amor em sua forma mais triunfante: a forma humana, selvagem, animalesca, que nos remete à nossa verdadeira constituição - a de animais.
Por que não? Menos ou mais iludidos, jamais deixaremos de ser este que ocupa a escala mais alta de uma cadeia alimentar, o destruidor da sua própria fonte de alimento, de vida: o homem, e do outro lado, o planeta, a vida.
Nas trilhas sugeridas pela tradução dos gestos e dos fatos que seu olhar me apresentava segui faminto de suas vísceras, das pétalas únicas em beleza daquela flor sem par, apaixonei-me pelos seus espinhos e carreguei com carinho as marcas que emprestaram à minha alma desde sua partida. Estradas sem outros rumos, decididas pelo destino.