A República, as bananas e a Hemofilia
Comemorar a República para mim é celebrar a ideia da Igualdade entre os homens. Em oposição à premissa da Monarquia que considerava os Reis seres acima do comum dos mortais, criaturas especiais tocadas por Deus que até teriam uma biologia própria que lhe dava uma cor diferente ao sangue.
A partir do momento em que se implanta a República os homens passam a nascer iguais. Tornam-se diferentes com o passar do tempo, pelos mais variados motivos, mas serão sempre iguais perante a Lei.
Ninguém é vassalo de seres supra-humanos porque na verdade a espécie é única.
À provocatória pergunta de amargos monárquicos que fingem desconhecer os motivos das comemorações do Centenário da República Portuguesa deve responder-se: “celebra-se a ideia de Igualdade, entre outras coisas”. Deve falar-se assim, não só por ser verdade mas por ser esta a resposta que mais os irrita.
Tornámo-nos de facto iguais, na nossa natureza humana. Um exemplo que posso dar é o da Hemofilia.
Antigamente era conhecida como Doença dos Reis. Devido à consanguinidade entre as famílias reais, o gene recessivo encontrava-se frequentemente emparelhado com outro gene recessivo e a doença manifestava-se. Só alguns membros da alta nobreza e da realeza se davam ao luxo de sobreviver sem sistema de coagulação de sangue funcional.
Não havendo cuidados médicos generalizados os hemofílicos vassalos morriam nos primeiros anos de vida.
Não é fácil entender a Hemofilia por não ser fácil entender o mecanismo da Cascata de Coagulação. Quando existe um dano num vaso sanguíneo acontece uma hemorragia que necessita de ser estancada. Para preencher o buraco é necessário que se forme um tampão de fibrina que vai aguentar a situação até que se dê a regeneração do tecido e tudo volte ao normal.
O diabo é a complicação que é preciso para que o tampão se forme. Implica a activação de treze factores que têm de actuar todos em sintonia para que o resultado final seja a tal da fibrina.
O Factor VIII, (ou melhor a falta dele), é responsável por 90% da Hemofilia.
Para simplificar vamos tentar imaginar o que acontece no corpo como se ele fosse uma cidade. As casas, os edifícios, os prédios, os muros são os tecidos variados que todos nós temos. E com o passar do tempo vão sendo destruídos e estão sempre a precisar de manutenção. A cascata dos Treze Factores é uma espécie de Grupo de Trabalhadores de Manutenção de paredes. Eles estão sempre a trabalhar, nunca páram pois há sempre um tijolo a necessitar de ser colocado num buraco. Só que eles têm uma forma peculiar de proceder.
Chegam ao local. Colocam-se numa fila muito ordenada na qual cada um ocupa sempre a mesma posição e depois começam a passar o tijolo uns aos outros até o colocarem no sítio.
Depois mudam de zona e começam tudo de novo.
Ora o que sucede num Hemofílico?
Começa tudo muito bem mas quando chega a vez do factorVII ( podemos chamar-lhe Quim) passar o tijolo ao Factor VIII ( Podemos chamar-lhe Chico) ele não está lá. E pára tudo.
E diz o Manel ( Factor IX) :
-Então, Quim, passa o tijolo!
-Não posso, eu tenho de passar o tijolo ao Chico.
-Mas o Chico não está cá, passa lá a merda do tijolo, Quim, estás parvo?
-É pá, parvo és tu, não vês que tenho os braços pequenos, não chego até aí! Vem cá tu, Manel.
-Ó Quim, estás maluco, não vês que não sei andar?
-Então onde está o Chico?
-Não sei, nem lembro da última vez que o vi.
-Acho que o Chefe vai ter um grande problema.
-Pois vai.
A hemorragia continua e o Chefe fica de cama uma porrada de tempo. As hemorragias originam inflamação que por sua vez se torna crónica e passa a provocar processos degenerativos principalmente das articulações. E a vida vai sendo cada vez mais complicada.
A boa notícia é que com o avanço da tecnologia, da Medicina e do Serviço Nacional de Saúde que disponibiliza factor VIII (Chicos, passadores de tijolos) os hemofílicos podem ter uma vida quase normal.
O que fica claro é que não há duas biologias, dois tipos de sangue, um azul e um vermelho, um associado com umas patologias finas como a Hemofilia que originava seres frágeis e outro com patologias grosseiras com a “Piolheira” pois o genoma é comum e por isso, de facto, os homens nascem iguais.
Amanhã comemora-se a República que faz cem anos. Parabéns, Portugal.
Nota: Peço desculpa por não ter mencionado as Bananas. É que elas estão ali só para compor um bocadinho o título. Não torna a acontecer.
Comemorar a República para mim é celebrar a ideia da Igualdade entre os homens. Em oposição à premissa da Monarquia que considerava os Reis seres acima do comum dos mortais, criaturas especiais tocadas por Deus que até teriam uma biologia própria que lhe dava uma cor diferente ao sangue.
A partir do momento em que se implanta a República os homens passam a nascer iguais. Tornam-se diferentes com o passar do tempo, pelos mais variados motivos, mas serão sempre iguais perante a Lei.
Ninguém é vassalo de seres supra-humanos porque na verdade a espécie é única.
À provocatória pergunta de amargos monárquicos que fingem desconhecer os motivos das comemorações do Centenário da República Portuguesa deve responder-se: “celebra-se a ideia de Igualdade, entre outras coisas”. Deve falar-se assim, não só por ser verdade mas por ser esta a resposta que mais os irrita.
Tornámo-nos de facto iguais, na nossa natureza humana. Um exemplo que posso dar é o da Hemofilia.
Antigamente era conhecida como Doença dos Reis. Devido à consanguinidade entre as famílias reais, o gene recessivo encontrava-se frequentemente emparelhado com outro gene recessivo e a doença manifestava-se. Só alguns membros da alta nobreza e da realeza se davam ao luxo de sobreviver sem sistema de coagulação de sangue funcional.
Não havendo cuidados médicos generalizados os hemofílicos vassalos morriam nos primeiros anos de vida.
Não é fácil entender a Hemofilia por não ser fácil entender o mecanismo da Cascata de Coagulação. Quando existe um dano num vaso sanguíneo acontece uma hemorragia que necessita de ser estancada. Para preencher o buraco é necessário que se forme um tampão de fibrina que vai aguentar a situação até que se dê a regeneração do tecido e tudo volte ao normal.
O diabo é a complicação que é preciso para que o tampão se forme. Implica a activação de treze factores que têm de actuar todos em sintonia para que o resultado final seja a tal da fibrina.
O Factor VIII, (ou melhor a falta dele), é responsável por 90% da Hemofilia.
Para simplificar vamos tentar imaginar o que acontece no corpo como se ele fosse uma cidade. As casas, os edifícios, os prédios, os muros são os tecidos variados que todos nós temos. E com o passar do tempo vão sendo destruídos e estão sempre a precisar de manutenção. A cascata dos Treze Factores é uma espécie de Grupo de Trabalhadores de Manutenção de paredes. Eles estão sempre a trabalhar, nunca páram pois há sempre um tijolo a necessitar de ser colocado num buraco. Só que eles têm uma forma peculiar de proceder.
Chegam ao local. Colocam-se numa fila muito ordenada na qual cada um ocupa sempre a mesma posição e depois começam a passar o tijolo uns aos outros até o colocarem no sítio.
Depois mudam de zona e começam tudo de novo.
Ora o que sucede num Hemofílico?
Começa tudo muito bem mas quando chega a vez do factorVII ( podemos chamar-lhe Quim) passar o tijolo ao Factor VIII ( Podemos chamar-lhe Chico) ele não está lá. E pára tudo.
E diz o Manel ( Factor IX) :
-Então, Quim, passa o tijolo!
-Não posso, eu tenho de passar o tijolo ao Chico.
-Mas o Chico não está cá, passa lá a merda do tijolo, Quim, estás parvo?
-É pá, parvo és tu, não vês que tenho os braços pequenos, não chego até aí! Vem cá tu, Manel.
-Ó Quim, estás maluco, não vês que não sei andar?
-Então onde está o Chico?
-Não sei, nem lembro da última vez que o vi.
-Acho que o Chefe vai ter um grande problema.
-Pois vai.
A hemorragia continua e o Chefe fica de cama uma porrada de tempo. As hemorragias originam inflamação que por sua vez se torna crónica e passa a provocar processos degenerativos principalmente das articulações. E a vida vai sendo cada vez mais complicada.
A boa notícia é que com o avanço da tecnologia, da Medicina e do Serviço Nacional de Saúde que disponibiliza factor VIII (Chicos, passadores de tijolos) os hemofílicos podem ter uma vida quase normal.
O que fica claro é que não há duas biologias, dois tipos de sangue, um azul e um vermelho, um associado com umas patologias finas como a Hemofilia que originava seres frágeis e outro com patologias grosseiras com a “Piolheira” pois o genoma é comum e por isso, de facto, os homens nascem iguais.
Amanhã comemora-se a República que faz cem anos. Parabéns, Portugal.
Nota: Peço desculpa por não ter mencionado as Bananas. É que elas estão ali só para compor um bocadinho o título. Não torna a acontecer.