As aparências enganam - revisado
Junior, colega de faculdade, vive sendo confundido com alguem que aparenta ser, mas que não o é definitivamente.
Explico já esta confusão.
Ele nordestino, 1,70m de atura, pele e olhos claros, boa aparência (não é porque o sujeito tem pele e olhos claros que será galã), boa curvatura, além de um vozeirão de locutor de FM de esquina.
Mora numa região do estado que tem população majoritariamente negra. Essas caracteristicas regionais colaboram para que ele se torne alvo de piadas e gozações por parte dos amigos e colegas que o chamam por termos pejorativos como: galego, branquinho, galeto, pato branco, entre outros.
Mas não para por ai. Ele também é vitma de um certo equívoco social. Todos que o vêem, imaginam logo que ele seja de uma classe social muito acima dá que ele realmente pertence. No nordeste a escravidão deixa marcas profundas no tecido social e ser branco em algumas regiões é garantia de privilégios, benefícios e proteção.
Ele se diverte com isso, mas confessa, tem horas que passa aperto.
Aperto que vai de um extremo ilário ha algo extremamente constrangedor e até ameacador.
Vez por outra, em alguma solenidade é confundido com o filho de algum coronel local (fazendeiro, político ou aristocrata qualquer), logo é convidado a sentar-se à mesa entre os "homens bons".
Quando entra em uma loja (essa é a parte hilária da coisa) a procura de produtos na secção geralmente destinada a promoção do dia, (segundo ele próprio, por sua boa aparência), vendedores/as, e as vezes até mesmo o gerente, correm apressados em atendê-lo e vão logo lhe oferecedo os melhores e mais caros artigos.
Isso, segundo ele proprio, é corroborado pelo fato de ser novato na cidade e portanto pouca gente o conhece.
Com bom humor então, aproveita a situação para esbanjar e arrotar o que nunca comeu, principalmente se a vendedora for linda, interessante e atraente.
Depois pra não dar mancada, nem decepcionar a expectativa da vendedora anciosa por lhe vender alguma mercadoria de maior valor e garantir uma boa comissão no final do mês, disfarça, desconversa e vai embora, olhando de rabo de olho a peça que tanto desejava na oferta do dia, mas para não desapontar a ninguem... vai embora sem comprar.
Outro tipo de situação a que está sempre sujeito (esta é a parte constrangedora e ameçadora), por conta do seu biotipo e dos preconceitos e conceitos enraizados na sociedade nordestina a séculos, é a análise prévia e apressada feita pelo ladrão oportunista de sua aparência onde logo o associa a membros de grupos elitistas locais.
Este, trata logo de o abordar, pois já concluiu irrefletidamente ao visualizá-lo, ter achado a melhor e mais compensadora vitima do dia.
Outro dia, num restaurante à beira rio em sua cidade na companhia de sua esposa, cunhadas e sobrinhos, foi abordado por um meliante que exigia instransigentemente que ele lhe entregasse a chave do carro, parado às costa dele.
Nesse momento não sabia se sorria desvairadamente, ou se corria para bem longe do alcançe do assaltador.
Olhou para trás, sem acreditar no que lhe acontecia e viu um carro de luxo estacionado bem perto deles, e não sabia como convencer o ladrão de que não era o proprietário.
Pensou por um fleche de segundo em perguntar ao assaltante que o havia feito pensar ser ele o dono do veículo de luxo ali estacionado.
Mas tentou entender o raciocínio do seu marginal e conclui: - o carro é muito bonito, eu também não sou feio, lógo, sou bonito também, ou seja, pareço com aquele carro bonito, logo sou dono dele.
Era isso claro, que se passava no raciocínio lógico ou louco do ladrão.
Engraçado, provavelmente o carro fosse de algum aristocrata local, que se divertia por ali por perto, mas que passara despercebido a observação do meliante por não se parecer tanto com seu carro, sorte dele... talvez.
Mas pensou melhor, não devia entrar em atrito com as idéias pre-concebidas pelo marginal, convicto de estar realizando um bom, fácil e rendoso assalto.
De repente pensou numa saída. O capacete. Na região nordeste quase todo mundo tem motocicleta. Os famosos e necessários jegues de outrora, foram substituidos pela motocicleta, agora, existem apenas nos epísódios esteriotipados da TV sobre a região.
Portanto, quem se utiliza desse meio de transporte (motocicleta) por aqui, é por não ter recurso suficientes para obter outro tipo de transporte, muito menos um carrão daqueles.
Baixou-se lentamente, apontando para o banquinho do lado, deixando a mão sempre a vista do meliante, apanhou o capacete de motoqueiro debaixo da mesa e mostrou-o para o moço de arma em punho que sorriu reconhecendo seu vexame e disse: - passa a moto, meu chapa! Não é nova mas serve!
Sua mulher e a cunhada que nunca acreditavam nas histórias que ele contava. Agora estavam perplexas.
Ele era mesmo um alvo frágil e injustiçado de um sociedade preconceituosa e esteriotipada, que julga as pessoas pela aparência ou pelo que ostentam.
O ser humano perdeu sua essencia, não é mais classificado por suas potencialidades e virtudes e sim por sua capacidade de consumo.
E quando toda essa aparência é confundida gera muito mais confusão.