Ipê Amarelo

Estávamos no final do inverno

E a florada dos Ipês amarelos naquele ano

Foi como há muito tempo não se via.

E depois da queda das flores

Milhares de sementes voadoras

Se desprendiam das vagens

E viajavam, através do vento,

Em busca de um solo para germinar.

Uma das sementes pousou em um barranco

Ás margens da rodovia

E ali,

Entre o torrão de barro vermelho

E um cano grosso de PVC

Que descia do alto da encosta,

Germinou

Não era necessário mais do que aquele solo duro

Para o resistente Ipê Amarelo brotar e se desenvolver..

Durante a primavera daquele ano cresceu

E no verão já era uma plantinha

Já se podia ver, através da superfície aveludada das folhas,

Que se tratava de um Ipê Amarelo.

Sem contar que, como todas as espécies de Ipê,

Tinha a folha composta de folíolos

Distribuídos como os dedos de uma mão.

Com a abundância de chuva e sol do verão o Ipê se fortaleceu

Para encarar a estiagem que normalmente ocorre na região

De maio a agosto.

Porém naquele ano o período de seca começou mais cedo

E parecia que não acabaria mais.

E já no final de setembro,

Início da primavera,

Ainda não havia chovido.

Foi quando a planta percebeu

Que o barranco não foi um bom lugar para brotar.

A dureza do barro vermelho

Aliada à ausência de água

Tornou a vida ali impossível

Mesmo para um Ipê Amarelo.

Uma coisa porém deixava a arvorezinha ainda mais angustiada:

É que naquele cano branco

Ali do seu lado

Passava água.

Era possível escutar,

Vindo de dentro do tubo,

O barulho de uma corredeira.

E quando já havia perdido a esperança de sobreviver pensou:

- Que destino cruel o meu.

Morrer de sede ao lado de uma fonte de água.

- Tem que haver uma forma de penetrar minha raiz neste manancial.

Mas todo o esforço era em vão

E deixava o Ipê cada vez mais fraco.

Porém,

Quando tudo parecia perdido.

No momento em que o Ipê já estava nas suas últimas fotossínteses

Aconteceu o inesperado.

Uma calota se desprendeu de um automóvel

Que passava pela rodovia

E a velocidade fez com que o objeto circular

Subisse pelas paredes do barranco

E batesse contra o Tubo,

Criando uma trinca justamente ali

Onde estava enraizada a plantinha,

Encharcando rapidamente a terra em volta do vazamento.

No momento em que a umidade alcançou suas raízes

O Ipê agradeceu ao destino pela oportunidade

De se manter vivo para a próxima estação.

Porém a água que descia do cano

Estava contaminada com o esgoto

Das casas construídas na encosta.

Fezes,

Urina,

Detergente,

Desinfetante,

Sabão,

Shampoo,

Condicionador,

Óleo de cozinha,

Água sanitária

E mais um monte de produtos químicos

Intoxicaram o Ipê

E ele durou apenas mais algumas horas.

Sem ao menos ter enfeitado o mundo com suas flores

E sem ter chegado a lançar as suas sementes voadoras ao vento.