"Nós" em Mim

Mal meus olhos se abriram para o dia que ilumina o quarto e lá vem você invadindo meus pensamentos. Lhe desejo um bom dia, mas você não pode ouvir, não está aqui.

Lavo o rosto, escovo os dentes e enquanto olho pra minha imagem no espelho recordo de todo o mal que nos fizemos e me repreendo expulsando essa vontade de "você" de mim.

Volto ao quarto e enquanto arrumo a cama, a fragância que o teu corpo deixou desperta minhas narinas me impulsionando a abraçar com força o edredon e inalar do veneno que exalou por aqui (Que cena ridícula! ainda bem que você não pode ver...).

Fincou pedaços minuscúlos teus por toda parte, não grandes pra que eu não satisfizesse neles meu desejo, mas vários deixando rastros de uma presença que não me abandona.

Sua voz começa a ecoar lá pelas nove me exortando para comer algo (mesmo estando sem fome pela manhã, como sempre), afinal os remédios não podem cair num estômago vazio, é o que diz. Obedeço às suas admoestações e então me dou conta de que você está em minha mente.

Me assento em silêncio e me concentro no intento de me auto induzir de que não é real essa necessidade de "você" em mim.

Você sabe que hoje vou ficar em casa, por isso me faz longas visitas durante todo o dia, (Como consegue ser Onipresente?) você está me abraçando, me deixando febril com o calor do teu corpo, você está me espiando enquanto me dispo, você está escorrendo sobre minha pele durante o banho.

A essa altura já estou suplicando a Papai do céu que me liberte de "nós".

Há um vazio aqui e aí e isso nos une.

Vou pra natação feliz porque submersa só ouço o silêncio... Mas o fato é que a física diz que o som se propaga em maior velocidade na água e então vejo meu desejo de te esquecer se frustrar enquanto ouço todas as coisas que nos dissemos se repetindo dentro da minha mente.

Ora bolas, o que faço com tanto "você" em mim?

Se eu pudesse colocaria uma vassoura atrás do meu cerebelo pra ver se te enxotava de minha cabeça (Não, eu não faria isso...).

Na universidade o professor debate sobre a alocação ótima dos bens e como não há bem mais valioso pra mim senão você, te vejo, meu bem, em todos os gráficos, em todos os cálculos, meu bem nos dados, meu bem nas equações das cestas de consumo... "Você" em mim.

De volta pra casa umas risadas entre amigos trazem à memória o teu riso (tão gostoso), a tua boca, o teu gosto...

Fico confiante ao entrar em meu quarto, sei que o sono pode "nos" apagar de mim. Me ponho a escrever e as palavras atuam de forma tão viva, assumem a cena e lá se foi "você" de mim.

Sinto uma paz me invadir, sou eu a sós comigo e o "nós" já não está presente. Os nós tampouco estão presentes, está tudo desatado, enfim.

Falo só, sem no eco ouvir a tua voz.

Planejo só, sem você pra dar nome aos filhos que não teremos.

Respiro leve, sem ter de alimentar "você" de oxigênio em meus pulmões.

Termino minhas linhas e...

-Ei, onde está você? Eu não estava falando sério, volte aqui conosco!

Quase te esqueço de novo.

Ingrid Fernandes
Enviado por Ingrid Fernandes em 03/10/2010
Reeditado em 04/03/2017
Código do texto: T2534706
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