O SÓSIA
O sósia
(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza.
- Oi, Aninha, é você?
- Quem está falando?
- Sou eu, Rafael.
- Ummmmmm! Com essa voz?
- Qual é Aninha? Ta me estranhando?
- Claro que não.
- Então. Vamos sair?
- Calma. Muita hora nessa calma. É você mesmo?
- Três meses de namoro e ainda tem dúvida amor?
- Você nunca me chamou de amor. Começa por ai...
- Por isso mesmo. Resolvi fazer, a partir de agora, tudo o que você gosta e lhe agrada.
- Nossa, que mudança repentina. E a que devo tal honra?
- Ao amor que sinto por você.
- Muito esquisito!
- O que é esquisito, amor?
- Sua mudança de comportamento sem mais nem menos. Quando o santo é demais a esmola desconfia.
- Bobagem, minha princesa. Alguém deve estar botando minhoca na sua cabeça.
- Ninguém bota nada na minha cabeça. Principalmente minhoca.
- Não é o que tem chegado aos meus ouvidos. Suas amigas...
-...Qual delas, exatamente?
- Eliza.
- O que tem contra ela?
- Eu, nada. Só não gosto do que fala a meu respeito.
- Aí é que está, meu caro. Ela não fala. Nem sabe que você existe.
- Não é o que chegou ao meu conhecimento.
- Chegou ao seu conhecimento? Por quem?
- Um passarinho cor de rosa cantou na minha janela.
- Passarinho? Não sabia que gostava.
- Não gosto. Você sabe disso. Escuta amor da minha vida: não acredito que vamos começar a brigar por pouca bobagem. Por favor, me poupe.
- Não é bobagem. A coisa é séria. Você liga pra minha casa, diz que é meu namorado e me pede para sair com você. Hoje em dia... Do jeito que as coisas andam. Sem falar nessa sua voz parecendo de taquara rachada...
- Para com isso, minha linda. Taquara rachada? De onde tirou essa comparação? Resolveu tirar o dia pra me sacanear. Ta legal conseguiu. Um a zero pra você. Agora posso passar ai e te pegar?
- Você não é o Rafael.
- Pelo amor de Deus, Aninha. Não é hora pra brincadeiras.
- Sua voz. Há algo de errado com ela.
- Meu Deus! O que há com a minha voz?
- Não é a do meu namorado.
- Estou rouco. Lembra que falei pra você que estava com uma tosse danada, o nariz escorrendo, garganta inflamada?
- Mas isso já faz bem uns quinze dias.
- Em que planeta você está, Aninha. Na última vez que nos encontramos ainda me pediu para parar de tomar banho frio.
- E quando foi?
- Quarta passada. Ou seja, uma semana hoje.
- E onde você se meteu desde a derradeira vez em que nos encontramos?
- Viajando, amor. Você não sabe que eu vivo viajando?
- Pra onde mesmo?
- São Paulo.
- Ué! Você não me ligou ontem de Belo Horizonte?
- Sim, liguei, mas você sabe que não paro muito tempo num lugar só.
- Tudo bem. Deixo você vir me buscar...
-...Legal. Passo ai em meia hora. Esteja pronta.
- Calma, meu caro. Pra que a pressa? Devagar com o barro que o andor é de santo.
- Xiiiiii! Aninha não estou a fim de brincar. Tive uma semana chata.
- Não estou brincando. Falo sério.
- Então se apronta.
- Primeiro me prove que você é o Rafael.
- Tá legal. Você quer brincar? Pois bem. Vou entrar na sua.
- Pensei que já tivesse!...
- Modo de falar.
- Pois bem. Você não é o Rafael.
- Sou.
- Vou te provar que não.
- Vou te provar que sim.
- Tente. Se realmente for, pode passar aqui e me buscar. Estarei pronta, a sua espera, cheia de amor e carinho pra dar.
- Aninha, não sei qual é a sua, ou o que andaram te falando. Mas tudo bem. Vou fazer seu jogo.
- Então vamos jogar. No final terá que ter me convencido de que realmente é o Rafael.
- Certo. Concordo. Provar que sou seu namorado é a coisa mais fácil deste mundo.
- Não é provar que é meu namorado. Vai ter que provar que é o Rafael.
- Que seja. A ordem dos fatores não altera o produto. Eu sempre digo essa frase. Está lembrada?
- Claro que estou.
- Então. Pode começar seu jogo.
- Na verdade, Rafael, ele já está em andamento. Agora você precisa de um fator mais sério, e, talvez, o mais importante desta conversa toda: ser o ganhador.
– Não me faça rir, Aninha.
- Quem ri por melhor, ri por último.
- Engraçadinha.
- Onde foi nosso primeiro encontro?
- Em frente a farmácia do seu Alcides
- Essa foi fácil. O bairro inteiro sabe. Quem me apresentou a você?
- A sua amiga Heliodora.
- Barbada.
- Então. Posso ir até sua casa te buscar?
- Não me lembro de ter marcado nada com você.
Ademais hoje estou...
- Estudando para a prova de sábado. Viu? Sou eu ou não sou, Aninha.
- Que eu estou estudando pra prova toda galera que convive comigo também sabe. Até aquele cachorro sarnento que fica ali na esquina.
- Amor, qual é! Resolveu me tirar?
- Não, resolvi te tirar?
- Me tirar?
- Não. Eu disse te tirar.
- Como assim, me tirar? O que é me tirar?
- Não é me tirar, é te tirar.
- Diabo, Aninha e o que é me... Digo te tirar?
- Te tirar do meu caminho.
(*) Aparecido Raimundo de Souza, 57 anos é jornalista.