Um Dia como o Domingo
O dia da eleição tem cara de domingo. Foi assim que este dia ganhou fisionomia desde meus tempos de menino. Ora a Rua José Lins do Rego estava cheia, como um formigueiro ou fim de missa; ora vazia, como a hora do almoço ou o momento do descanso do dia sem trabalho. Embora Deus tenha criado os sete dias da semana, cada um recria o domingo como quer. Além disso, fatos, como copas e carnavais, transtornam este dia sereno. Logo cedo, antes das urnas, chegava ao Mercado a comida para os eleitores que vinham do campo, mas nunca deixavam de almoçar os penetras da cidade, com a justificativa de que “eleição é eleição e com muita fartura”. As carroças, puxadas por boi, descarregavam quartos e costelas nas costas suadas de homens sem camisa, em cuja pele ficava a marca do sangue do abate bovino. Enquanto Dona Biu Sambola não guisava a carne, os eleitores, sem casa na cidade, quebravam o jejum em alguma das bodegas: uma banda de pão amanteigada com um caneco de um ralo café, “coado no susto”; uns bebiam, escondidos da proibição, aguardente sem nada comer; outros, de cócoras, fumavam cigarro de palha.
Em Pilar, tudo se fazia na praça, na Igreja, na Prefeitura, no Grupo Escolar ou, sobretudo, no Mercado Público, inclusive as eleições. Pelos becos ou sob os fícus, aos cochichos, riscavam pequenas cédulas, semelhantes as que iriam para as urnas de madeira, quando se cumpria o ato solene de votar. Certos homens da cidade portavam paletó e, engravatados, ainda punham chapéu panamá ou de goma. Os matutos vestiam mescla azul, caqui da cor da farda da polícia ou simples “manipolão” branco (tecido “made in Polen”, de uso popular na agricultura), com chapéus de palha presos por um cordão ao pescoço, iguais aos que passavam em pau de arara para cumprir promessa em São Severino dos Ramos, para os lados de Pernambuco, nas imediações de Carpina.
E, assim, os matutos atingiam o destino iniciado nas suas distantes casas, colocando na urna o pequeno papel que simbolizava muitas promessas, decepções, esperanças ou apenas cega obediência à ordem dos chefes políticos. Os resultados eram os previstos por estes chefes. Hoje, a previsão é a das pesquisas; os rurícolas não chegam de cavalo, mas de moto e desacompanhados de cabos eleitorais; a troca de voto por dinheiro ou por qualquer bem ou benefício, caso seja vista, fica à espera da denúncia, da decisão da justiça, para deletar votos arquivados na urna eletrônica a favor do eventual candidato “ficha suja”. Tempos mudam. Contudo, cada vez mais o dia da eleição, como era naquele tempo, se parece com o domingo.
O dia da eleição tem cara de domingo. Foi assim que este dia ganhou fisionomia desde meus tempos de menino. Ora a Rua José Lins do Rego estava cheia, como um formigueiro ou fim de missa; ora vazia, como a hora do almoço ou o momento do descanso do dia sem trabalho. Embora Deus tenha criado os sete dias da semana, cada um recria o domingo como quer. Além disso, fatos, como copas e carnavais, transtornam este dia sereno. Logo cedo, antes das urnas, chegava ao Mercado a comida para os eleitores que vinham do campo, mas nunca deixavam de almoçar os penetras da cidade, com a justificativa de que “eleição é eleição e com muita fartura”. As carroças, puxadas por boi, descarregavam quartos e costelas nas costas suadas de homens sem camisa, em cuja pele ficava a marca do sangue do abate bovino. Enquanto Dona Biu Sambola não guisava a carne, os eleitores, sem casa na cidade, quebravam o jejum em alguma das bodegas: uma banda de pão amanteigada com um caneco de um ralo café, “coado no susto”; uns bebiam, escondidos da proibição, aguardente sem nada comer; outros, de cócoras, fumavam cigarro de palha.
Em Pilar, tudo se fazia na praça, na Igreja, na Prefeitura, no Grupo Escolar ou, sobretudo, no Mercado Público, inclusive as eleições. Pelos becos ou sob os fícus, aos cochichos, riscavam pequenas cédulas, semelhantes as que iriam para as urnas de madeira, quando se cumpria o ato solene de votar. Certos homens da cidade portavam paletó e, engravatados, ainda punham chapéu panamá ou de goma. Os matutos vestiam mescla azul, caqui da cor da farda da polícia ou simples “manipolão” branco (tecido “made in Polen”, de uso popular na agricultura), com chapéus de palha presos por um cordão ao pescoço, iguais aos que passavam em pau de arara para cumprir promessa em São Severino dos Ramos, para os lados de Pernambuco, nas imediações de Carpina.
E, assim, os matutos atingiam o destino iniciado nas suas distantes casas, colocando na urna o pequeno papel que simbolizava muitas promessas, decepções, esperanças ou apenas cega obediência à ordem dos chefes políticos. Os resultados eram os previstos por estes chefes. Hoje, a previsão é a das pesquisas; os rurícolas não chegam de cavalo, mas de moto e desacompanhados de cabos eleitorais; a troca de voto por dinheiro ou por qualquer bem ou benefício, caso seja vista, fica à espera da denúncia, da decisão da justiça, para deletar votos arquivados na urna eletrônica a favor do eventual candidato “ficha suja”. Tempos mudam. Contudo, cada vez mais o dia da eleição, como era naquele tempo, se parece com o domingo.