Oh! Excalibur!
As eleições estão chegando mas o espírito delas parece que ainda anda longe. Excetuando-se candidatos, partidos e pagos cabos eleitorais, parece-me que este sufrágio está mais para naufrágio, tábuas de salvação cheias de eleitores desidratados, a espera de resgate ou boa maré, cada um deixando que o outro reme para onde bem entender.
Correção. Há uma assustada parcela da população engajada em criticar o passado terrorista da candidata da situação, sua difusa situação civil e sua ligação com os escândalos do governo PT e da quebra do sigilo fiscal da filha do candidato da oposição. Mas, tirando isso, não se vê muita empolgação por um ou pelo outro. Ao contrário, o que se vê são os votos contra - jamais votaria em A, por isso, voto em B. Talvez, apenas Marina atraia ainda algumas utópicas loas.
Para o GDF, tirando uma discreta torcida pela impugnação da candidatura de Roriz - este sim, ainda um grande polarizador -, também não se vê maiores arroubos. Há oito anos, a essa altura, quase todo carro levava o adesivo de um ou vários candidatos, as pessoas usavam camisetas, bonés, botons. Havia carreatas, comícios... Onde se encostasse para tomar um café, o tema era política e a oposição de duas forças, vermelhos contra azuis, o bem contra o mal, conceitos maniqueístas fomentados por anos de esperanças num governo popular. O governo popular veio, mas para que se fizesse viável, mostrou-se um pouco menos vermelho, tingindo-se no azul de estranhas alianças e atos, o que resultou num roxinho pálido, cada vez mais sujeito aos mesmo erros de sempre.
Sabe-se que o excesso de expectativas é um dos maiores catalisadores para a decepção. Se uma coisa pode ser dita, é que “nunca antes na história desse país”, um governo gerou tantas expectativas quanto o governo Lula, a despeito da certeza de que nenhum governo conseguiria fazer os milagres que este país precisa e merece. Sim, houve avanços, sim, houve retrocessos, sim, houve muita roubalheira e também, muitas ações para dar fim a elas. Como sempre, na história deste país. E, talvez, seja justamente neste fato que resida o desânimo que permeia essas eleições: a sensação de que não importa quem segure a batuta, essa orquestra desafina, os músicos são ruins e nossos ouvidos, destreinados.
Uma das propagandas veiculadas pelo TSE sugere que a urna eletrônica é uma máquina que nos permite decidir o futuro. Inegável que a metáfora foi inteligente, embora saibamos que não é bem assim. Apesar da alardeada melhora nos níveis de distribuição de renda que reduziu pela metade o número de miseráveis no país, cerca de 19% da população brasileira ainda encontra-se abaixo da linha da pobreza, pouco ou nada interessados nesses números. Média não põe comida na mesa de ninguém e, muito menos, garante educação, saúde, emprego, segurança para todos.
Certamente não foi só isso o que os que votaram há quatro, oito, doze ou dezesseis anos planejaram para o nosso futuro. Certamente, não é este o quadro que queremos ver nos próximos quadriênios. E é pensando no quanto queremos que o Brasil seja mais justo que vamos às urnas em breve, embora, o histórico mostre um futuro desalentador e, por isso, a palavra de ordem hoje pareça ser mesmo o pessimismo.
Penso que nosso presidente tem muito do rei Arthur. O rei bretão foi concebido por Igrayne, enganada pelo rei Pendragon, que, por um feitiço de Merlin, se fez passar por seu marido. O (antes estéril) anseio-popular-por-mudanças foi, enganado pela magia da governabilidade e, por isso, deitou-se com alguns dos maiores representantes da banda podre do poder constituído. Dessa estranha relação, surgiu o Lulinha paz e amor que, finalmente, após 12 anos de tentativas, logrou o Planalto.
Lula e Arthur vieram do povo. Arthur governou com justiça por 12 anos e sofreu ao ser traído por Lancelot com sua amada esposa Gwinevere. Lula encerra seu oitavo ano de mandato com altos índices de popularidade e muitas denúncias de corrupção em seu governo, às quais ele trata como marido traído e iludido.
Se o reino de Arthur viu-se às voltas com a procura do Santo Graal, nosso presidente encampou a bandeira do combate à desigualdade social, um cálice muito mais difícil de encontrar. Ainda mais, quando nossas cruzadas perdem-se em tantos outros assuntos acessórios, como o PAC e a sucessão presidencial.
Enquanto seus cavalheiros o viam, moribundo, deslizando rumo a Avalon, Arthur os confortou, avisando que voltaria. Assim, no apagar das luzes deste mandato de Lula, enquanto vemos sua melancólica partida, nós gritamos de cá, em resposta: só volta se conseguir tirar a espada da pedra.
E, já que lembrei da Excalibur, fico imaginando que maravilha seria ter uma espada mágica dessas para cada cargo elegível deste país, capaz de detectar os puros de coração mais capazes de exercer suas funções, eliminando aqueles que estão pouco ou nada preocupados com o Brasil e o brasileiro. Poderíamos até supor que a lei da Ficha Limpa exerceu um pouco este papel, inabilitando alguns notórios salafrários. Mas, convenhamos, diferente da espada mágica, a nova lei só é eficaz na eliminação dos picaretas que se deixaram flagrar em suas falcatruas. Àqueles, espertos, que costumam agir sem deixar rastros, só mesmo a magia da espada, para enxergar-lhes as negras almas.
Isso, se ela não fosse logo desacreditada pelos meandros de nossa justiça, recursos a esta e aquela instância postergando a permanência no poder ou no pleito dos mais renomados patifes.
Ainda assim, em breve ela se tornaria um incômodo. Seria acusada de anti-democrática, já que o povo não seria mais convocado a fazer suas prestimosas e sábias escolhas.
E enfim, uma CPI composta por Tiririca, Mulher Pera, Romário, Batoré e Vampeta se encarregaria de afastá-la de uma vez por todas dos nossos olhares.
Texto escrito para o 6° Desafio Literário da Câmara dos Deputados - Etapa 3.
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