Os Destinos do País
“PT alegou que exigência (da apresentação do título de eleitor junto a um documento com foto) feria o direito universal ao voto”.
“Você chegou a tirar a segunda via do título de eleitor?”
Lemos essas duas chamadas no jornal O Globo de hoje (01/10/10), às vésperas das eleições. Vejam a hipocrisia ou o pouco caso que se faz do eleitor ou da sua capacidade de raciocínio:
Com relação à primeira chamada, como ferir o direito ao voto se ele é obrigatório em nosso país? Por outro lado, essa novidade, digamos assim, porque não houve tal prática em eleições anteriores, está sendo criada agora para que o eleitor não deixe em hipótese alguma de votar. Já que o voto é obrigatório, vamos facilitar a vida do eleitor.
Não será uma iniciativa ou defesa (ou manobra) do PT visando atrair o maior número possível de eleitores para definir as eleições logo no primeiro turno em favor da sua candidata? Sendo essa iniciativa também do interesse dos outros partidos. Afinal, tudo é democracia.
Não se pensa na qualidade das pessoas que pleiteiam o mandato parlamentar. Se são simples aventureiros, quadrilheiros ou implicados em algum tipo de ilícito, nada disso. (Aliás, o problema da ficha limpa fica para depois das eleições, ou seja, as decisões dependerão do resultado delas.) O que interessa é que o eleitor tem que votar em alguém. Esses aventureiros, e eventualmente até criminosos, depois de eleitos, terão a sua fração de poder. E o Presidente, também eleito, se verá na contingência de contar com o apoio deles, ou do partido deles, para poder governar ou tornar possível a aprovação de seus projetos. É isso o que alegam muitos dos eleitores do Lula: se ele não se aproximar do Sarney ou do Collor, de quem foi ferrenho adversário num passado recente, ele não poderá governar o país. Por isso a gente vê hoje o PT com as mesmas práticas que condenava nas agremiações de direita (UDN, PSD e outras) no tempo em que havia sentido em se falar na dicotomia direita x esquerda.
Com relação à segunda chamada, o que fica claro é o desrespeito com que o cidadão é tratado nesse país. Coloca-se o eleitor em intermináveis filas para a obtenção da segunda via do seu título e depois diz-se simplesmente a ele que apenas um documento de identidade com foto é o suficiente para que ele exerça o seu direito (ou obrigação?) universal. Isso a dois dias da eleição. Não é uma desfaçatez?
O eleitor é verdadeiramente uma massa de manobra. Os homens das capas pretas decidem atrás de mesas, atrás de posturas de discutível seriedade, atrás de interesses que muitas vezes fogem à capacidade de percepção do homem comum, o que devem fazer os cidadãos do país em que o imposto é um dos mais elevados do mundo.
Temos que admitir que esse raciocínio, repito, muitas vezes não tem condição de ser produzido pelo homem que foi mal alimentado na infância, que é mal remunerado, semi-analfabeto ou integrante do chamado mercado informal de trabalho. Mas esse homem vota. E isso é o que importa. Aliás, que condições reais tem esse homem de votar? Ou até que ponto pode ele deixar de ser enganado por uma propaganda quase sempre enganosa, baseada em compridas promessas que ele depois verá que não foram cumpridas? O que interessa é que ele elege. Não interessa o que ele pensa. É até preferível que ele não pense.
E se ele pensasse, certamente os destinos do país poderiam ser outros. E melhores.
Rio, 01/10/2010