Da lição dos sonhos possíveis
Senta aqui, vem! Você precisa parar e refletir. Está tão cansado de seus próprios cansaços que mal encontra força para sorrir e mal sorri para encontrar forças.
Senta e fecha teus olhos, menino, e te afasta de agora, de hoje, do mundo! Então te encontra novamente! Não vês que és tu mesmo um grande mundo? Encerra em ti um universo de possibilidades, em versos possíveis de DNAs combinados com a arte nobre de sonhar.
Vê então que tu és um universo no meio de mais seis bilhões de universos, inserido em um grande planeta, em uma realidade totalmente ampla – e mesmo assim tu és único, tu és um só. Você se constrói todo o tempo – e é preciso, sempre que possível, olhar para trás, rever suas pegadas no chão de areia, de barro, de horizontes já caminhados.
É preciso saber dar o valor certo ao passado: deixá-lo para trás e superá-lo através da reflexão consciente que promove a mudança e a própria conscientização. É necessário também que se saiba trazer do passado o resgate necessário de sua identidade: porque são tantas as possibilidades, filho, as combinações de acasos e virtudes, que é bem possível que teu passo seja confuso, com o tempo.
Ou que te confundam! E até mesmo, meu garoto, o passo para trás pode ser o passo para frente – se te colocam de frente para o abismo, eis a solução encontrada! E não há mal algum em andar em círculos, em se perder inclusive dentro de si mesmo: às vezes são os melhores atalhos pro caminho externo!
O que não se pode é ficar parado. E olhar para o passado lhe dá essa solução também: encontre nos teus passos refeitos pela consciência aqueles que te construíram. Perceba no reencontro com teu amigo como a conversa é fácil, como as gírias antigas e já em desuso ganham vida e razão mais uma vez, ganham eco e se esboçam no outro. Vê como o sorriso é fácil – e a felicidade já vem!
Vê como as coisas podem ser e te anima, meu filho, porque o mundo não é fácil – e tu não foi feito pra desistir. Você foi feito para fazer, refazer e se fazer fazendo um mundo que será feito por ti, mas não para ti.
E frente a isto é preciso lutar, é preciso ter garra, coragem, esperança e fé. Principalmente, é preciso saber quem você é, quem deseja ser. Depois é necessário encontrar as forças pra romper os muros que dividem esse abismo do ser e do querer ser.
Se lembre, meu filho, que sempre haverá mais de um caminho possível. A estrada se faz com tantos atalhos e percalços, armadilhas e tapa-buracos, que é imprescindível outra coisa, que seja dita antes da despedida e do reencontro: é preciso ter sonhos, meu caro!
Ah, como traz força essa tal arte de sonhar! Por favor, nunca deixe teus sonhos guardados no teu travesseiro. Não saia de casa sem eles, não abra a boca sem lembrá-los! São eles que farão com que a sua vida tenha sentido. Mais que isto, são eles que te farão sentir a vida.
Que pareçam difíceis e que te chamem de utópico. Aceite a utopia e rejeite o que não convém. Mas acredite na sua força construtiva e agregue, some, multiplique esta energia em todos os espaços que você ocupar.
E não se permita ser apenas mais um observador distante, mais um espectador da vida cotidiana. Pois te dirão que é desgraça, te dirão ainda mais: que é tragédia o mundo para quem sente, riso fácil para quem pensa.
Se são dragões ou moinhos de vento, só sua voz vencendo o silêncio que lhe virá a resposta. Se o mundo parece difícil, só tua mão se levantando sobre a injustiça é que terá peso ao fim do dia – e trará conforto na hora de dormir.
Não admita dormir no ponto, não queira isso pra si mesmo e incentive àqueles que lhe rodeiam a fazer o mesmo! Seja sujeito da tua oração, tenha o verbo sob o seu domínio: este é o teu período, os sonhos e a fé devem permear a semântica do teu cotidiano.
Tenha esperança, acredite, confie, sonhe, abrace, sorria, se erga e levante sua cabeça, aumente a sua voz – seja ouvido! Não queira o prêmio ou o holofote, fale de pé para ser visto, fale alto para ser ouvido e não se preocupe com os aplausos ou reconhecimentos. Se preocupe com a sua coerência.
Não a coerência externa que os conservadores vêem como qualidade: se insira no mundo como mente construtora, afinal, não há uma verdade absoluta por esta terra, é preciso estar aberto para expansão dos horizontes. Neste caso, a coerência é mesmo o fantasma das mentes pequenas, a rejeite, meu amigo!
Não se sinta detentor da verdade jamais, meu filho. Mas não é esta a coerência que quero trazer luz e foco: falo da coerência do sentir e da razão, da teoria e da prática, da palavra e do exemplo da vida, do sonho e da luta, da guerra e da paz. Falo da coerência dos princípios, dos valores e das lutas.
Não seja insolente e se permita olvidar desta lição, meu filho, pois esta é a mais importante frente a todos os caminhos que surgem em nosso dia-a-dia, as bifurcações, os atalhos e os percalços da caminhada.
E não esqueça de valorizar a existência que lhe foi conferida! Todo ser humano carrega um universo dentro de si, ferido e sofrido, com várias cicatrizes, marcas de outros tempos piores: exerça a alteridade, meu filho. Não pense que não és apenas mais um ao olhar do outro, por isso lute para que, vendo-o de outra maneira, perseguindo suas bandeiras e conhecendo suas caminhadas, não passe em vão pelas vidas que você passar.
Agora te levanta e vai, organiza teu big bang, ajeita teu universo interno, te prepara pra luta: a poesia do mundo reside justamente na beleza de sonhar universos possíveis!