Caindo do ninho.
O "tec-tec" característico de um velho teclado de computador marcou, como se fosse uma trilha sonora, o mais profundo e estúpido medo que uma garotinha poderia sentir naquele exato momento do dia.
Ainda era cedo, por mais que a sensação fosse de que já era tarde e, consequentemente, tempo certo de voltar para casa. Os segundos passavam como horas; e a espera infinita para ser chamada se mostrou hábil em arrepiar até mesmo os pêlos que uma pessoa jamais imaginaria que fossem capazes de ser arrepiados. Pode soar como exagero, mas ficar sentada em uma cadeira desconfortável, aguardando uma ordem de uma pessoa completamente desconhecida, é um desafio à paciência de qualquer indivíduo dotado de extrema ansiedade.
Finalmente, ela chegara: sua guia, sua luz, seu – praticamente certo – pesadelo. "Vamos subir?". Subir? Vamos, afinal, há outra escolha? Degrau por degrau, foi iniciada a caminhada em direção à tortura. Ao lado de um único corredor estreito, havia algumas salinhas particulares que guardavam seus preciosos computadores – os mesmos que possuíam aqueles malditos teclados barulhentos – e, justamente no final, a sala que serviu de cubículo do suplício. "Você pode escolher um dos computadores, ligar no ramal 1558 – ou seria 1578, ou 5178? O nervosismo faz qualquer um esquecer números aleatórios – para adquirir sua senha e começar a atualizar os autos pelo CPJ, certo?". Claro, certíssimo. Com certeza, todo mundo já explicou milhões de vezes como faz isso... Há, até parece.
Tudo começou perfeitamente bem: o computador não queria ligar e o ramal estava indisponível – "Será que eu disquei o número errado?". O jeito foi olhar para a garota ao lado e perguntar o que estava havendo; e ela, por sua vez, deu uma risadinha de deboche e apertou o botão mais escondido do mundo, fazendo com que o computador ligasse. A palavra de agradecimento subseqüente foi respondida com um olhar torto. "Dane-se, estou aqui para aprender, não para sermos amigas", pensou a garota que tão logo ligou novamente no ramal indicado – desta vez, discando o número correto –, adquiriu sua senha e iniciou seu serviço. O jeito era tentar aprender sozinha, já que sua guia, sua luz, seu pesadelo, já tinha desaparecido e entrado em uma daquelas salinhas de outrora.
"Não pode ser tão difícil, não é?". De fato, não era, mas pareceu ser o fim do mundo. Houve aquela vontade de chorar, de voltar à segurança do lar, de se encontrar com a mamãe, de se esconder embaixo da mesa ou, ainda, de se jogar pela janela nos momentos em que o computador travava. "Daqui até o chão deve ter uns três metros e meio, talvez a queda não seja tão dolorosa". Com o passar dos minutos, porém, tudo foi se estabilizando apesar da tremedeira, e até que ficou mais fácil depois de se bater no começo, aprendendo sozinha algo que ao menos deveria ter sido explicado.
Tudo estava bem, realmente, até surgir uma dúvida, um novo monstro terrível a ser vencido, já que teria de sair da proteção de sua sala, adentrar a um território desconhecido – um corredor absolutamente temível de cinco metros, que mais parecia a Avenida Paulista naquelas circunstâncias – e ir em busca de sua guia. Lá foi ela, tirou a dúvida e retornou o mais rápido possível. Um problema a menos, até o computador travar de vez e a garota começar a tentar destravá-lo arduamente, com todos olhando e provavelmente tirando sarro. Veio, de novo, a vontade de chorar, e só com muita prece – a todos os deuses possíveis, desde os nórdicos até os do Olimpo – o computador voltou a funcionar.
O drama se seguiu por quatro horas (que se arrastaram da forma mais lenta e sádica possível), e o momento de ir embora foi marcado por uma profunda gratidão. Uma felicidade que seria momentânea, pois no dia seguinte o drama se repetiria; mas, pelo menos, o primeiro dia passado fora da segurança das asas da mamãe havia terminado, e dali para frente o passarinho haveria de se acostumar a voar gradativamente mais longe, apesar do medo.
Será que todos se sentem assim, basicamente, no primeiro dia do primeiro emprego?