DISCIPLINA Á MODA ANTIGA

O velho Constantino Rêgo, meu pai, foi criado dos oito aos dezoito anos no antigo Instituto João Pinheiro, na Gameleira, em Belô, em cujo sítio se localiza hoje um imenso quartel da briosa Polícia Militar de Minas Gerais.

Trazido que foi pelas mãos do seu tio José Augusto, meu pai foi arrancado da sua querida Januária, norte de Minas, deixando para trás as maravilhas da sua vidinha nas barrancas do rio São Francisco, nadando e pescando, comendo surubim, caçando passarinhos e jogando bola com os seus muitos amigos de infância. Sua mãe enviuvou e resolveram mandá-lo pro internato, ficando ela apenas com suas três irmãs em casa.

O pequenino estranhou a brusca mudança, mas forte no corpo e no espírito, apesar da pouca idade, enfrentou as novas condições de vida que lhe foram impostas pelas circunstâncias e buscou a adaptação. Além da escola básica, aprendeu música, tocando clarineta e saxofone na banda oficial do educandário, desenvolvendo ainda suas habilidades futebolísticas, jogando no time do instituto. Saiu do “João Pinheiro” aos dezoito anos, rapaz feito, bom caráter e cheio de sonhos para o futuro.

Em Pirapora, pra onde foi após o internato, o Velho Rêgo trabalhou na alfaiataria do tio José Augusto, aprendendo o ofício, mas não se descuidou da música e do futebol. Num jogo amistoso entre o time local e o Cedro Esporte Clube, agremiação dos operários da Cia. Fiação e Tecidos Cedro e Cachoeira, da região central de Minas, o jovem Constantino foi observado pelo Dr. Guilherme Mascarenhas, médico e dirigente da Cedro e Cachoeira, o qual agradou do seu futebol e lhe fez um convite para trabalhar naquela indústria têxtil e jogar no time da fábrica. Meu pai não se fez de rogado e, pouco tempo depois, desembarcava de mala e cuia na cidadezinha do Cedro, disposto a enfrentar mais esse desafio na sua vida.

Algum tempo depois ele já era bastante conhecido na localidade, mercê também da música, pois tocava na Euterpe Santa Luzia, a banda comandada pelo Maestro Zebedeu e no coro musical da Igreja de Santo Antonio, aos domingos, onde conheceu minha mãe, Flaviana, com a qual viria a se casar mais tarde e constituir numerosa prole, dez filhos ao todo.

Quando crianças, meu pai costumava chamar-nos ao seu quarto, principalmente nas noites chuvosas. Embolados na grande cama do casal, nós, os filhos, ouvíamos suas histórias, casos da sua vida de garoto levado em Januária e depois no internato em Belo Horizonte. Era uma festa e esquecíamos por completo o vento, a chuva e os trovões ribombando lá fora.

Certa feita ele contou que no “João Pinheiro” havia um pomar e, por trás dele, uma plantação de melancias, em meio às quais surgiam alguns pés de goiaba. Louco por frutas, ele namorava as melancias que se desenvolviam naquele solo, crescendo rapidamente. Num domingo, após a missa vespertina na capela do educandário ele e seu amigo Jesualdo escapuliram rumo às melancias. Colheram quatro das grandes, sentaram à sombra duma goiabeira, sacaram seus canivetinhos e abriram as deliciosas frutas, lambuzando-se e comendo gulosamente.

O sol já ia bem alto quando os dois, sentados e empanturrados sob as goiabeiras ouviram um apito estridente. Era o bedel Zé Renato, um mulato forte, que percebera a tramóia dos dois e os seguira de longe. Não deu nem pra correr, pois os buchos de ambos estavam pesados de tanta melancia. Foram presos e encaminhados à Sala de Disciplina do educandário, pra falar com o Diretor, Sr. Oswaldo Pimenta, um policial militar aposentado duro na queda. Depois do relato do bedel Zé Renato, o Diretor inquiriu rapidamente os alunos, Constantino e Jesualdo, os quais admitiram suas culpas, ambos envergonhados e cabisbaixos. Oswaldo Pimenta raspou a garganta e largou o verbo:-

“- Pois bem, admitida a culpabilidade de ambos, determino o seguinte:- Zé Renato, leve os dois para o jardim defronte e esperem-me no gramado. Dê pá e picareta para cada um deles. Só vou dar um telefonema e chego lá.”

Daí a uns dez minutos chegou o Diretor. Zé Renato mandou que os alunos ficassem de pé e encarassem de frente o Sr. Oswaldo Pimenta. Isso feito, o Diretor falou:-

“- Nesse gramado, a uns dez, quinze metros abaixo, passa um cano d’água. Comecem a cavar e só parem quando encontrarem o cano. Aguardarei na minha sala.”

Constantino e Jesualdo tiraram suas camisas, pegaram as ferramentas e começaram a cavar. Zé Renato, firme, de pé ao lado, acompanhava o cumprimento do castigo. Volta e meia dava uma olhadela no relógio de pulso, cujos ponteiros seguiam sua marcha inexorável. Lá pelas vinte e duas horas, noite fria, o sereno orvalhando a grama e as folhas das plantas do jardim, a lua cheia bem alta e clareando tudo, as picaretas deram com o cano d’água e foi aquela alegria! ... Os dois alunos, suados, exaustos, empoeirados, se abraçaram sorridentes. Zé Renato foi lá dentro chamar o Diretor.

Em minutos, chega o Sr. Pimenta, olha para os dois rapazes completamente exauridos, chama o Zé Renato até a beira do buraco cavado, olha pra baixo e fala:-

“- É, está lá o cano. Eles conseguiram! Muito bem, está visto. Agora botem pra dentro a terra retirada e enterrem de novo o cano d’água! ...”

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B.Hte., 29/09/10

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 29/09/2010
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