Uma Flor de Pessoa
Uma Flor de Pessoa
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Crisálida se aborrecia toda vez que a chamavam por “Cris”.
- Cris é para cristinas. Eu sou Cri-sá-li-da! Não duvidem disso!
Mas duvidavam.
Ninguém podia gostar tanto de nome tão...tão...pomposo, digamos assim.
As amigas chegavam a olhar desconfiadas para dona Zélia.
Como é que mãe tão zelosa pode colocar nome tão...tão...na única filha?
Crisálida , por sua vez, parecia adorar o nome.
Depois dos 30, ainda solteira, Crisálida passou a ter gostos bem mais extravagantes do que o nome.
Aprendeu pilotar moto, cavalgar, saltar de asa delta, caçar, tiro ao alvo.
Tudo para a maior aflição de dona Zélia.
- Esta menina ainda vai sofrer um acidente.
- Calma Zelinha, Lembre-se que quem começou tudo foi você: onde já se viu menina com esse nome?
Seu Vieira, o pai, entre um trago e outro do cigarrinho de palha, que nunca lhe saía das mãos, tentava acalmar dona Zélia.
Mas a gota d’água aconteceu quando Crisálida apareceu em casa com Margarida Maria.
E a apresentou como sua namorada!
- Margarida Maria é a flor da minha vida, afirmou Crisálida.
Dona Zélia achou que era flor demais para ela aguentar.
O pai entrou no meio, tentando, entre uma baforada e outra, colocar ordem naquele galinheiro, ou melhor, naquele canteiro:
- Quem nasce pra crisálida nunca vai gostar de beija-flor!
E deu por encerrado o assunto.
Depois de meses, Crisálida e Margarida Maria tiveram a primeira briga.
Na hora de dormir, quartos separados.
Ao acordar, Crisálida ligou a televisão no seu programa preferido: “Adalberto é o Show”.
Centenas de telespectadores ligavam pedindo conselhos ao Adalberto.
Crisálida se divertia.
Naquele dia, Adalberto atendia uma mulher chorosa, que dizia: “minha flor agora é só espinhos...”
Mal conseguiu escutar o resto, quando percebeu que conhecia muito bem aquela voz.
Pé ante pé, abriu a porta do quarto, onde encontrou Margarida Maria sussurrando ao telefone.
O caso quase acabou na delegacia.
Se não fosse a interferência de seu Vieira, que entre uma baforada e outra, impediu a Crisálida de despetalar a Margarida.
Não passou muito tempo e Crisálida apareceu com outra novidade.
Tinha conhecido Godofredo Alfredo, amigo virtual de J. Estanislau, escritor de muitas letras e livros publicados.
Godô, para os mais chegados, tinha acabado de terminar o namoro com Madalena.
Um romance puramente virtual, ele explicava.
Crisálida apaixonou.
- Essa menina podia arrumar namorado com nome menos complicado, reclamou dona Zélia.
- Zelinha, lembre-se que...
- Já sei, Vieira. Já sei!
E dona Zélia saiu batendo a porta.
Godô era uma figura.
Figuraça.
Trabalhava num supermercado e enchia Crisálida de coisas, que iam do presunto de Parma a orelha de porco.
Brincalhão, gostava de contar casos.
Enchia de risada a casa de Crisálida.
Um dia, veio saber da morte de parente distante.
Não era o melhor programa, mas convidou Crisálida para acompanhá-lo.
Aproveitaria para apresentá-la a alguns familiares.
Fumante inveterado, puxou a namorada para longe da pequena multidão, a fim de acender um cigarro.
Foram achar uma árvore, perto a um jazigo e-nor-me.
Mas a sombra era convidativa e ali resolveram a ficar.
Entre uma conversa e outra, perceberam a chegada de um menino, que vinha varrendo os arredores do mausoléu.
Quando o gari chegou próximo deles, pediu:
- Será que vocês podem arredar um pouquinho, para eu varrer aí?
Godofredo Alfredo olhou espantado para ele, agarrou o braço de Crisálida e gritou:
- Meu bem, olha! Ele pode nos ver!
O menino, assustadíssimo, perguntou:
- Claro que posso ver vocês!
Godô, muito agitado, abraçou Crisálida e gritou ainda mais alto:
- Ele pode nos escutar também! Até que enfim, alguém para dizer a nossa família que morremos, mas estamos bem!
Depois de molhar toda a calça, o menino saiu correndo, gritando:
- Sai pra lá, alma penada! Sai pra lá!
Desmaiou dois metros depois.
De novo, o namoro de Crisálida quase acabou na delegacia.
Não fosse a brilhante ideia de Godô em oferecer emprego melhor ao garoto.
No supermercado.
O menino a-do-rou.
- Como é o seu nome, filho?
- Mijamar Himineu. Himineu com “h”, instruiu o menino, abrindo o maior sorriso do mundo!
(Aconselho a quem chegou até o final desta crônica, que leia “Crônica do Amor Virtual”, publicado na Escrivaninha de J Estanislau Filho. Lá, com certeza, vocês conhecerão melhor o danado do Godofredo Alfredo!)