Uma Flor de Pessoa

Uma Flor de Pessoa

www.suzanabarbi@recantodasletras.com.br

Crisálida se aborrecia toda vez que a chamavam por “Cris”.

- Cris é para cristinas. Eu sou Cri-sá-li-da! Não duvidem disso!

Mas duvidavam.

Ninguém podia gostar tanto de nome tão...tão...pomposo, digamos assim.

As amigas chegavam a olhar desconfiadas para dona Zélia.

Como é que mãe tão zelosa pode colocar nome tão...tão...na única filha?

Crisálida , por sua vez, parecia adorar o nome.

Depois dos 30, ainda solteira, Crisálida passou a ter gostos bem mais extravagantes do que o nome.

Aprendeu pilotar moto, cavalgar, saltar de asa delta, caçar, tiro ao alvo.

Tudo para a maior aflição de dona Zélia.

- Esta menina ainda vai sofrer um acidente.

- Calma Zelinha, Lembre-se que quem começou tudo foi você: onde já se viu menina com esse nome?

Seu Vieira, o pai, entre um trago e outro do cigarrinho de palha, que nunca lhe saía das mãos, tentava acalmar dona Zélia.

Mas a gota d’água aconteceu quando Crisálida apareceu em casa com Margarida Maria.

E a apresentou como sua namorada!

- Margarida Maria é a flor da minha vida, afirmou Crisálida.

Dona Zélia achou que era flor demais para ela aguentar.

O pai entrou no meio, tentando, entre uma baforada e outra, colocar ordem naquele galinheiro, ou melhor, naquele canteiro:

- Quem nasce pra crisálida nunca vai gostar de beija-flor!

E deu por encerrado o assunto.

Depois de meses, Crisálida e Margarida Maria tiveram a primeira briga.

Na hora de dormir, quartos separados.

Ao acordar, Crisálida ligou a televisão no seu programa preferido: “Adalberto é o Show”.

Centenas de telespectadores ligavam pedindo conselhos ao Adalberto.

Crisálida se divertia.

Naquele dia, Adalberto atendia uma mulher chorosa, que dizia: “minha flor agora é só espinhos...”

Mal conseguiu escutar o resto, quando percebeu que conhecia muito bem aquela voz.

Pé ante pé, abriu a porta do quarto, onde encontrou Margarida Maria sussurrando ao telefone.

O caso quase acabou na delegacia.

Se não fosse a interferência de seu Vieira, que entre uma baforada e outra, impediu a Crisálida de despetalar a Margarida.

Não passou muito tempo e Crisálida apareceu com outra novidade.

Tinha conhecido Godofredo Alfredo, amigo virtual de J. Estanislau, escritor de muitas letras e livros publicados.

Godô, para os mais chegados, tinha acabado de terminar o namoro com Madalena.

Um romance puramente virtual, ele explicava.

Crisálida apaixonou.

- Essa menina podia arrumar namorado com nome menos complicado, reclamou dona Zélia.

- Zelinha, lembre-se que...

- Já sei, Vieira. Já sei!

E dona Zélia saiu batendo a porta.

Godô era uma figura.

Figuraça.

Trabalhava num supermercado e enchia Crisálida de coisas, que iam do presunto de Parma a orelha de porco.

Brincalhão, gostava de contar casos.

Enchia de risada a casa de Crisálida.

Um dia, veio saber da morte de parente distante.

Não era o melhor programa, mas convidou Crisálida para acompanhá-lo.

Aproveitaria para apresentá-la a alguns familiares.

Fumante inveterado, puxou a namorada para longe da pequena multidão, a fim de acender um cigarro.

Foram achar uma árvore, perto a um jazigo e-nor-me.

Mas a sombra era convidativa e ali resolveram a ficar.

Entre uma conversa e outra, perceberam a chegada de um menino, que vinha varrendo os arredores do mausoléu.

Quando o gari chegou próximo deles, pediu:

- Será que vocês podem arredar um pouquinho, para eu varrer aí?

Godofredo Alfredo olhou espantado para ele, agarrou o braço de Crisálida e gritou:

- Meu bem, olha! Ele pode nos ver!

O menino, assustadíssimo, perguntou:

- Claro que posso ver vocês!

Godô, muito agitado, abraçou Crisálida e gritou ainda mais alto:

- Ele pode nos escutar também! Até que enfim, alguém para dizer a nossa família que morremos, mas estamos bem!

Depois de molhar toda a calça, o menino saiu correndo, gritando:

- Sai pra lá, alma penada! Sai pra lá!

Desmaiou dois metros depois.

De novo, o namoro de Crisálida quase acabou na delegacia.

Não fosse a brilhante ideia de Godô em oferecer emprego melhor ao garoto.

No supermercado.

O menino a-do-rou.

- Como é o seu nome, filho?

- Mijamar Himineu. Himineu com “h”, instruiu o menino, abrindo o maior sorriso do mundo!

(Aconselho a quem chegou até o final desta crônica, que leia “Crônica do Amor Virtual”, publicado na Escrivaninha de J Estanislau Filho. Lá, com certeza, vocês conhecerão melhor o danado do Godofredo Alfredo!)