EU GOSTARIA DE TER DITO

Chego para a entrevista de emprego às 14 horas, como me foi solicitado por telefone.

O cargo me interessa, a empresa é grande e conceituada e o salário é bom.

Entra uma moça que vai aplicar o teste. Cumprimenta a todas e sai para pegar folhas e canetas.

As candidatas começam a conversar para esconder o nervosismo.

Uma diz que fala espanhol porque namorou um. A outra fala inglês porque quando era menina fez um intercâmbio. Vamos ver na hora de escrever.

O número de candidatas é grande e a primeira seleção é feita. Cada candidata fala um pouco de si.

Uma estudou em Londres, fala inglês, espanhol e francês.

A outra diz que foi convidada para ser professora de inglês numa conceituada universidade.

Uma terceira está fazendo pós-graduação em comunicação, fala árabe e alemão, além dos idiomas solicitados.

Por essas alturas eu penso: é claro que uma delas vai ficar, são todas melhores do que eu que só estudei no Brasil, que aprendi inglês em vários cursos (dependendo dos horários da escola dos meus filhos) e espanhol aprendi sozinha. A língua do “P” eu não digo que falo.

Chega a hora do teste escrito. É necessário fazer uma carta em inglês, uma em português e outra em espanhol.

Como não suporto a mesmice, faço três cartas diferentes, uma em cada idioma. Termino rapidamente e as entrego. As outras candidatas pedem mais tempo. Uma delas pergunta se pode fazer a carta só em português, pois as outras línguas ela entende, mas tem dificuldade para escrever.

Fico me perguntando o porquê de as pessoas mentirem se, como dizia minha mãe, a mentira tem pernas curtas.

Nova seleção e sobramos apenas duas. A primeira, uma loura curvelínia, com um traseiro que me faz lembrar uma tanajura, vai à entrevista com o assistente do diretor. Minutos depois sai da sala sorridente.

Penso comigo mesma, me ferrei. O emprego é dela. Sou moreninha, de estatura mediana e não tenho a bunda grande.

- Entre – me diz a recepcionista.

Vou levar na gozação, penso, já senti que o emprego é da loura que entrou antes de mim

O assistente é um homem magro, com um bigode que deve atrapalhar quando toma sopa, as orelhas um pouco separadas do crânio, o que me dá a impressão de que ele é parente do “dumbo”. Usa um terno mal cortado e uma gravata escandalosa.

Não posso deixar de imaginar que ele é ruim de cama porque tem cara de morno, sem energia vital e, para piorar a situação, tem uma barriga respeitável, embora seja magro, o que a faz parecer maior ainda.

Ele me pergunta tudo que se possa imaginar.

Como você é pela manhã?

- A mesma que sou à tarde e à noite, sempre bem-humorada, graças a Deus

O que você gosta de comer?

- Tudo que seja saboroso (me deu vontade de dizer “todos” que sejam saborosos, mas me contive)

O que você faz para se distrair?

- Bom, isso depende do tempo, do dinheiro que tenho no bolso e da companhia que tem o prazer de estar comigo. Quando não tenho nada disso me divirto plantando bananeira.

O que você lê?

- Tudo, desde que seja bem escrito. De bulas de remédio até esses papéisinhos que nos dão na rua com endereços de cartomantes, financeiras que resolvem nossos problemas - embora nos ferrem depois, com os juros altos- palavrões nas paredes, dizeres nos pára-choques dos caminhões, etc.

Ele me olha incrédulo, mas prossegue.

Você é paciente?

- Sou. Todos os dias peço a Deus: “Dai-me paciência, Senhor, mas tem que ser AGORA?

Qual a sua cor predileta?

- Todas do arco-iris.

Você prefere cinema ou teatro?

- Depende do dia do mês.

Como assim?

- Se for perto do pagamento eu já estou dura e aí prefiro o cinema. Se eu tiver acabado de receber, eu prefiro o teatro, com direito a um jantar depois e uma esticada, dependendo da companhia.

Só falta perguntar a cor da minha calcinha. Se ele perguntar vou responder que não uso.

Ele para, dá um suspiro e imagino que ele começa a perceber que eu estou a fim de brincar com ele, o que o irrita profundamente.

Quando ele dá essa parada eu aproveito e o ataco.

Bom, o senhor já me fez uma análise maior do que o meu homeopata, agora me deixe saber os benefícios que a empresa pretende me dar. O salário é decente? O chefe é mal-humorado. Estou perguntando porque o último que tive sofria de hemorróidas e era um caso muito sério. Ele brigava até com a sombra dele mesmo e o pior é que sempre ganhava.

O homem me olha meio desanimado e responde: bom, nós temos um seguro saúde, temos um clube ao qual os empregados podem se associar por um preço módico e temos também o ticket-refeição de R$ 5,50.

Eu não posso perder essa oportunidade e lhe digo: bom, pelo menos numa coisa a empresa pensa: na elegância dos seus funcionários. Com essa quantia a gente só pode comer um dia sim e o outro não.

Ele, sem saber o que responder, se levanta e me diz para esperar, em minha casa, um contato da empresa.

Eu me levanto e lhe digo: esperar sentada, né, porque em pé cansa. Parto então para a próxima entrevista.

Claro que não serei chamada, mas pelo menos disse o que todo mundo que trabalha lá gostaria de ter dito.

Edina Bravo

edina bravo
Enviado por edina bravo em 29/09/2010
Reeditado em 29/05/2013
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