VAGA-LUMES
Primavera iniciando. Época da floração, da animação dos pássaros procurando parceiros. Época de ser feliz e amar. Perfume no ar. Natureza em festa, antecedendo o verão das noites quentes e luminosas. Do brilho forte das estrelas e do pisca-pisca dos "lanterninhas" da natureza. Lembranças da nossa infância, quando corríamos atrás dos vaga-lumes que, com sua luzinha esverdeada, clareavam a noite. Quem de nós não capturou vaga-lumes e os colocou em frascos de vidros, utilizando-os como lanternas? Quem de nós nunca se perguntou de onde vem a sua luz?
Pois é, apesar de parecer estranho um animal emitir luz, o vaga-lume ou pirilampo produz luminosidade que pode ser vista a grande distância. Esses insetos produzem a luz através da oxidação de uma substância produzida pelo próprio corpo, a luciferina. O processo, chamado de "oxidação biológica", permite que a energia química seja convertida em energia luminosa sem a produção de calor, por isso é chamada de luz fria. A luz facilita a atração sexual. Os lampejos são códigos para atrair o sexo oposto. O pisca-pisca funciona como diálogo entre macho e fêmea, no período de acasalamento. Só o macho é alado e brilha. A fêmea fica no chão e não possui luz própria. E para chamar a atenção das "moças", os machos ficam bem "acesinhos". A luminescência também serve para atrair a caça.
Pesquisadores da Universidade de Tufts, nos Estados Unidos, descobriram que a mesma substância que controla a pressão sanguínea para a ereção do pênis, o óxido nítrico (NO), serve de mensageira entre o impulso elétrico emitido pelos neurônios do vaga-lume e o disparo do flash luminoso. A reação química é interessante: 90 a 96% da energia é convertida em luz e apenas 4 a 10% em calor, o inverso de uma lâmpada comum!
Os vaga-lumes estão ameaçados nas cidades pois, quando entram em contato com a forte iluminação, sua bioluminescência é anulada interferindo fortemente na reprodução, podendo até serem extintos.
O bichinho é um eufemismo vivo, porque "lume" significa brilho, luz; e o "v" de "vaga-lume", na verdade, é um "c" que foi trocado por "v" para atenuar o desconforto que a forma original causaria. O Dicionário Aurélio manda ver "pirilampo", cujos sinônimos não são nada simpáticos. O Houaiss é mais direto: dá logo a lista no próprio verbete "vaga-lume" (que, segundo a obra, também se pode grafar "vagalume", sem hífen, tese que não é confirmada no "Aurélio", nem no Dicionário da Academia de Lisboa).
E para encerrar, uma obra-prima da nossa literatura:
Círculo Vicioso
Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
"Quem me dera que eu fosse aquela loira estrela
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!"
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
"Pudesse eu copiar-te o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela"
Mas a lua, fitando o sol com azedume:
"Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume"!
Mas o sol, inclinando a rútila capela:
"Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta luz e desmedida umbela...
Por que não nasci eu um simples vaga-lume?"...
Machado de Assis