Sonho de Senectude

Por certo envelhecerei. Por certo também que não demorará muito, visto a velocidade do tempo. Pois que seja, essa senectude, apenas cronológica, não mental, não psicológica, não debilitante. Que me perdure a mesma mocidade dos vinte anos, a inocência, a mesma doçura. Mas bem sei, ela chegará, irrefutável.

Que chegue de mansinho, devagar. Que não me traga memórias inglórias, estas, as nostálgicas, se dissipem com o percorrer dos anos, nas brisas escondidas da memória. Mas que não me faça esquecer, por nada, todos os bons momentos, as vitórias, os amigos, enfim. Que os anos me traguem filhos e netos e bisnetos. Me faça sorrir como sempre, e chorar.

Invariavelmente ela chegará. E quando vieres trabalharei egoistamente só, de mim para mim, revirando minha memória, num baú imaginável. Todo o meu tempo, os poucos instantes que ainda restares, dedicarei apenas para meu objetivo central, que é salivar felicidade por entre têmporas, balbuciar palavras de amor.

Acordarei mais tarde, como nunca, quando o sol já estiver alto. Noctívago que sou, aproveitarei o silêncio da madrugada para me infiltrar no sótum das minhas circunstâncias, debruçando-me sobre papéis, e com caneta em punho, escreverei. Dedilharei caminhos insensatos e inimagináveis em folhas de papel, por entre noites, numa total confidência insolente.

Me dissiparei, assim que despertar, para a rua. Percorrerei todos os caminhos não percorridos, bares, cafés, livrarias, becos e botecos.

Prometo que voltarei, bela amada, antes do meio dia, para almoçar contigo tuas mais degustadas comidas. Por certo para rua voltarei, mas novamente te prometo que voltarei, antes do anoitecer. Vou conversar com estranhos, escutar rodas de samba, sentar em bancos, dar comida aos pássaros, jogar loterias, viajar, assoviar.

Que me venha as rugas, não esconderei. Junto delas os cabelos brancos, ralos e poucos. Que me venha também experiência e sabedoria.

Viverei, apenas, na plenitude da idade, no êxtase do apogeu, no ápice dos dias, na ponta, no topo, uma vida satisfatória e minha, de mais ninguém.