O goleiro

Eles se agremiaram. Por causa do Dirceu eles me apelidaram de Zazá do gol. Mas eles se agremiaram contra mim. Meus vaticínios? Nenhum. Incompreensão é o jogo do mundo. Fui afastado. Há quase dez anos atrás. Sou de pouco estudo, mas de meditação. Veio à aposentadoria, fim do período trabalhado. Escritor não tem aposentadoria, jogador tem. É aqui que me vem o tédio. Retornando: eles se agremiaram no meio-campo. Escapei. Durante longos vinte anos de ausência fiquei perdido na incompreensão. Na solidão do descampado. O silêncio sulcou a terra ardida da chuteira. Hoje eu sou cidadão simples, sem a mínima parcela de jogo. Há jogatina em tudo. Naquele tempo todos eram jogadores. Todos eram bons. Intrépidos. A vida era um espetáculo de domingo. Sabe-se que espetáculo enaltece, hoje menos a mim. Sinal de que a desgraça de goleiro leva aos simbolismos, espécie de estágio espiritual da independência. Gol mesmo, esvazia julgamento.

Ninguém vive de torcida desacreditada. Lembro-me do céu que cobria o estádio naquela derrota cruciante, inesperada. Surtiu como grito dentro de um avião caindo. Hoje aposentado, a comparsaria brinca comigo: perdedor. Esquecem que não há falsa conquista. Fico premido com esse passado inalterado. Volto ao silêncio ardente da cachaça como sossego, fogo que segue translúcido nas retinas. Não foi a bebedeira quem me tirou de campo, nem os cabarés da sífilis. A bebedeira veio depois. A sífilis o Dr. Carneiro consertou. Já estava perdido na inércia, aposentado. Aposentado ainda vivo é aquele que desenha opinião com clareza. Principalmente quando o novo período político do time levou o jogo para a zona da incerteza. Sem plano tático, sem base, perdidos na escuridão. Derrota requer uma lenta reconciliação. Sem protesto. Com o uso indiscriminado do lateral esquerda e o chute celerado, mas na desambição tudo cai bem fraco.

Camarada, escute. Jogar é chutar para frente com toda confiança. Mesmo sabendo que a fidúcia desmorona no pênalti o goleiro.

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