Seja inútil
Acordou cansado e com dor de cabeça. Durante muitos anos era atormentado pelo casamento e uma dívida bancária. Dois acidentes. O primeiro acidente havia conhecido numa festa de arromba. Quando acordou de porre percebeu que estava cercado por família e altar. Era estudante ainda e novo acidente logo surtiu efeito quando entrou numa agência bancária para solicitar o crédito educativo saindo com sete mil reais de crédito mágico. Hoje se sabia devedor de dois milhões de reais para os sete mil adquiridos. Devia comparecer na agência. Agência bancária e não de matrimônio onde devolveria a mulher se pudesse.
O gerente queria fazer acordo imperial. O caso estava há dez anos na justiça onde ganhou um aparato incrível de gente grudada no cerne do seu fracasso. Para piorar as coisas e o valor. Inacreditável como material de trabalho é arrancado das pessoas para apodrecerem em galpões com perda total de potencialidade. Estava se sentindo como esse material de escritório arrancado do trabalho e jogado num galpão desconhecido para a voragem dos juros da ferrugem.
Sisudo revelou que faria uma oferta e postou-se na frente do micro. Moderno e incrível é a quantidade de atendentes paralisados diante do visor do micro esperando funcionamento. A maior parte dos atendentes se limitam a dizer aos imobilizados clientes uma palavra que define tudo: sistema, ou está fora do ar o sistema. Nunca o avanço deixou tanta gente fora do ar como agora. Ele também estava dependendo de um número que viria pelo computador, não de dentro dele, mas de outro lugar com muita gente trabalhando para fracassar ainda mais os debilitados. O número não vinha, estava retido na máquina, como se o número fosse dele, de cômputo exato.
- Dos sete mil em dez anos o senhor tem dois milhões para fins de imposto de renda, etc. Deixamos por dois mil reais, com acréscimo de valor que deverá estar em torno de dois e quinhentos, frisou “da área jurídica”.
- O que fizeram eles da área jurídica para merecer esse dinheiro? Balbuciou, sem saber que estava sendo gravado. Pelo menos trabalhei, perdi, estava desempregado. Vendia selos, veio o “e-mail”, ninguém mais queria selos...
- O senhor não está entendendo.
- Claro que não estou entendendo.
O gerente respirou fundo, bravo, insultado, empregando a cifra elevada como “vantagem ilibada” sobre “devedor cretino”.
- Pediu sete, deve dois milhões em dez anos, estou lhe oferecendo cinco mil, mais o devido da área jurídica. O senhor não está entendendo?
A defesa tímida de cliente apertado surpreendeu enquanto frase lapidar: o meu dinheiro não dá em juros. Estava indignado, chegou a criar mentalmente um samba para o carnaval do próximo ano: o meu dinheiro não dá em juros! Naquele momento neutro de significado entre números criados por artifícios e revelados por complicadores, todos eles prontos para disparar subjugações; sentiu um doce alívio rápido da frase: o meu dinheiro não dá em juros. Mas continuava premido. Quantas assinaturas trabalharam para o seu fracasso? Quantos carimbos? Quantos cafezinhos entre linguagem técnica e fria? Quanta gente bem remunerada estava explorando a fraqueza sobre esse fundo de amparo ao trabalhador? Que amparo?
Estava claro de que o crédito havia sido insuficiente. Quis o trabalho. Tivesse sido inútil... Seria recompensado.
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