O AUXÍLIO LUXUOSO
Estava por aí entre crônicas e poemas, Recanto e blogs sorvendo ora cheiros de flores distribuídas aos montes em saudação à primavera, ora perscrutando corações apaixonados uns, desiludidos outros em tanta poesia romântica, e lendo textos de prosa de variada cepa, gama, alfa (e beto) inteiro, quando me vi envolvido com uma reflexão da nossa grande Zélia Maria Freire. Eu sei gostar daquele espaço, viu gente! Cada dia uma tema filosófico da mais alta relevância e substância para ajudar a preencher o nosso vazio existencial, o que não encontramos muito facilmente nessa vida cheia de confusão aventuras e muito pouca satisfação para fincarmos no peito como permanentes. O dia a dia é isso que se vê, que se faz por obrigação, a contra gosto muitas vezes e fica a sensação de sempre estar faltando mais alguma coisinha. No meu caso, a literatura tem conseguido ocupar esse vão com uma competência que até agradeço a Deus, de tão alegre e contente que fico. Mas vamos entrar no assunto senão vocês nem chegam ao final da leitura. Vira divagação sem substância que nem pão sem manteiga.
Já começo citando. Ela falava na crônica (Contrariando o Pai de Nero) sobre as citações que a gente costuma a fazer de outros autores. Sêneca seria contrário. Segundo o texto, ele afirmava que o saber divulgado através de citações seria próprio dos incompetentes. Lembrei-me de Schopenhauer. Nessa direção, ele afirmava que ler demais atrapalhava a produção de idéias próprias*. Acho que, no caso era um recado aos seus detratores da época, pois no contexto onde afirmou, ele fala mal pra caramba dos literatos e filósofos contemporâneos seus. Isso eu é que depreendi lendo todo o livro.
Se você pegar um trabalho científico, uma tese ou uma dissertação, dificilmente vai se ver livre das intermináveis citações de outros autores que contribuem para uma homogeneização daquele pensamento que está sendo proposto ali. Ou também pode ser que os outros autores citados contribuam para a heterogeneização das ideias, se tiverem sido usados para contestar tal ou qual verdade ou assertiva. Vale dizer, então que os pensamentos se entrelaçam. Isso não se dá apenas em trabalhos científicos. Não ocorre também na literatura, na música e na poesia? Quantas vezes a gente se identifica com um texto em prosa ou verso e pensa assim: “por que eu não escrevi isso antes?” A formação do nosso pensamento se dá pelo nosso próprio pensamento (graças a Deus, isso acontece pouco, mas acontece) e com a contribuição mais diversificada que o nosso livre arbítrio e senso apontam ao tomarmos conhecimentos do texto alheio. Tomar conhecimento, porém não pode significar copiar, colar, nem mascarar, alterando uma coisinha aqui, outra ali e vendendo um peixe que não pescamos. Não estou falando de plagio e trapaça, isso é outro papo (muito ruim, por sinal).
Não vejo nenhum problema na utilização de outros autores: é um “auxílio luxuoso” às nossas idéias próprias e não lhes tira a originalidade , aliás, deixe-me citar aqui o grande Luiz Melodia, que auxílio luxuoso é daquela música dele, “lava roupa todo dia, que agonia...”
Zélia, minha doce amiga, o Sêneca creio ter falado isso porque na época dele muito pouca gente sabia ler, e os que sabiam deviam ser preguiçosos para escrever. Quanto ao Schopenhauer, se ele afirmou que quem lê muito não cria as próprias ideias eu gostaria de perguntar a ele (uma pena que não vai mais poder me responder) por que então ele escreveu tanta obra, quase vinte livros? Não atrapalharia a gente?
* A arte de Escrever – A. Schopenhauer