“Little Gate 1ª”: a nave sertaneja
Quando vivo, o amigo Popotinha, figura impagável pela fina ironia e inventividade, relatou-me, com riqueza de detalhes, o suposto lançamento da primeira nave espacial de Porteirinha. Ele disse ter feito parte da equipe de apoio, operando a estação de rádio-base. Quando soube da história, batizei imediatamente a nave com o sugestivo nome de “Little Gate 1ª”, em homenagem à cidade, numa versão livre para o inglês. Popotinha gostou...
Entre doses de cachaça com suco de umbu (“caipiumbu”), na porta da venda de “seu” Preto, ele contou-me o acontecido no dia do lançamento, e o desfecho inesperado daquela experiência espacial, em pleno sertão norte-mineiro. Talvez tenha se inspirado na estória contada pelo Chico Anísio, no lançamento da nave brasileira “Saci Pererê”, sei lá...
A base de lançamento do “Litlle Gate 1ª” foi instalada no topo do Morrinho do Guará. Muita gente foi pra lá a pé, numa caminhada de três quilômetros. Tiveram de fazer cordão de isolamento, pois todo mundo queria tocar na nave. E isso era arriscado. Ela poderia se desintegrar ali mesmo, antes de ser mandada ao espaço.
O único que ficou perto dela foi Regonguel, de cócoras, pitando seu cigarrinho de palha, alheio a tudo. Os “astronáuticos”, segundo o Popotinha, já estavam encarapitados no topo da nave. Subiram com o auxílio da escada de Isaurino Pintor. Da janelinha da nave – que possuía providencial ferrolho -, um astronauta batia a mão para as pessoas cá embaixo. Estava todo importante com o capacete de aço que “seu” Jacó trouxe da Segunda Guerra. Ninguém o reconheceu naqueles trajes...
Na hora do lançamento, Joaquim Padre, misto de sacristão e locutor-oficial, começou a contagem regressiva tradicional, do dez ao zero. No zero, nada de o foguete subir. “Zero, Regonguel!” – berrou Quincas... Só aí o Regonguel percebeu que chegara sua hora. Deu uma forte tragada no seu pito, avivando a brasa, e a encostou no pavio do foguete... Sssssssss
Aceso o pavio, em poucos segundos veio o estrondo, e a nave subiu em meio a forte cheiro de pólvora. Cachorros latiam, gatos miavam e muita gente desceu o morro, na carreira, pensando que o mundo estava acabando...
Um minuto depois, vem o primeiro contato via rádio – este emprestado pelo “seu” Carlito, do Dnocs:
- Alô, Terra, alô Terra!
- Fala, “astronáutico”!
- Aqui tá muito quente! Tô cum sede...
- Aperta o botão número 1, “astronáutico” – orientou Popotinha.
O astronauta aperta o botão indicado, e uma bandeja salta do painel com um copo d’água cheio...
Uma hora depois, novo contato do astronauta, dizendo estar com fome. Popotinha o orienta a apertar o botão número 2. De um compartimento maior, saiu um fumegante prato esmaltado, abarrotado de comida. Mais parecia o Morro do Catrião Gongo, em Pai Pedro: “feijão tropeiro, arroz com pequi, rodelas de tomate, picadinho de maxixe e duas qualidades de carne”- lembrou-se o operador de rádio.
Almoçado, meia hora depois, novo contato do astronauta, dizendo querer fumar. Foi orientado a apertar o botão número 3. “Apertou e o cigarro já saiu acêsss...”- lembrou Popota, com seu cacoete lingüístico, engolindo a sílaba final.
Quando a equipe se confraternizava com o perfeito plano de voo, e se imaginava um astronauta tranquilo fumando seu cigarrinho, o silêncio é quebrado por um novo – e agora esbaforido – contato:
- Alô, Terra! Alô, Terra...Acode, meus cumpanhêro! Valei-me Bom Jesus da Lapa!
- Que foi, “astronáutico”!
- Joguei a guimba do cigarro no chão e a nave tá pegano fogo!!!
E Popotinha, sem nada poder fazer, naquela situação imprevista, foi curto e grosso com os “astronáuticos”:
- Tiau e miau procês, os minino...
Depois disso, dois conterrâneos meus nunca mais foram vistos: Zé Boró e Luiz de Zaia. Dizem as más línguas que eles faziam parte da intrépida tripulação da acidentada nave “Litlle Gate 1ª”...