PRAGA "MALÍGRINA" II

Durante a minha infância, as crianças, além de se divertirem com brincadeiras de rua, gostavam de declamar poesias ou de se sentar para contar e ouvir estórias “povoadas” por princesas, fadas e bruxas. Nas noites em que faltava energia elétrica, porém, sempre havia alguém para começar a contar “causos”, envolvendo coisas do além.

Lembro-me de um sobre um moço “corajoso”, que aceitou o desafio feito por um grupo de amigos: ir a um cemitério, numa sexta-feira 13, lua nova, à meia noite, pregar um prego na sepultura do homem mais malvado que houvera naquela cidade.

Na data e horário combinados, houve quem o visse, dirigindo-se, resolutamente, para o campo santo, vestindo um negro e longo capote, portando nas mãos um embrulho. Uma vez ali, disposto a não ser chamado de covarde, o personagem aproximou-se do escolhido túmulo, desembrulhou o martelo, segurou o prego e ... Tchã, tchã, tchã....

De repente, um vento soprou forte, ouviu-se o revoar de um bando de morcegos e os uivos de algum cachorro do mato bem perto dali. Seu coração disparou e quase saiu pela boca. Ele então, apressadamente, martelou o prego sobre a tumba, sem perceber que entre esta e aquele estava a ponta do seu agasalho.

Apavorado, ele se preparou para correr, mas não chegou a se afastar dois metros, quando sentiu que algo ou alguém o “puxava”. Pensando tratar-se do dono da cova, talvez revoltado com sua petulância, o “valente” não ousou olhar para trás, começou a gritar desesperadamente e deve ter enfartado, pois foi encontrado “roxinho da silva”, com a boca escancarada, no dia seguinte.

“Entrou pelo pé do pato, saiu pelo pé do pinto, quem quiser que conte cinco!” (Essa era uma das formas de anunciarmos que o “causo” findara.)

Hoje eu percebo dois furos nessa estória:

a)De qual material era feito o túmulo? De mármore ou granito? É possível pregar algo, utilizando-se martelo, sobre superfícies de algum desses materiais? Alguém já viu alguma sepultura revestida de madeira?

b)Esse personagem era MUITO BURRO! Numa situação daquelas, mesmo apavorada, eu acho que teria desabotoado o capote e largado na “mão” que me segurasse. Aliás, acho que eu tiraria tudo e sairia pelada!

Bem, lembrei-me dessa estória, apenas para começar a crônica de hoje que nasce de um telefonema recebido recentemente. Num início de noite, tive o prazer de ouvir a voz de uma das mais brilhantes professoras de Língua Portuguesa de Linhares: Dona Arlêne Campos. A querida mestra soubera que eu tinha sob minha responsabilidade alguns trabalhos científicos e buscava, em especial, a dissertação de mestrado do saudoso professor Olyntho Lamerto Moura da Silva.

O interesse devia-se ao fato desse trabalho ser intitulado “Morte e Imaginário em Linhares: o cemitério Nossa Senhora da Conceição” e conter informações importantes para o desenvolvimento de um outro, que ela e a professora Zilá Sabaíne, ambas da Serlihges – Seccional Regional de Linhares do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo- estão finalizando. Por meio de pesquisas, elas resgatarão a memória de vultos que foram muito importantes para a história linharense.

Esclareci-lhe que a informação não procedia e lamentei que nem todos os colegas que defenderam seus mestrados em 2002, tivessem legado à Unilinhares, hoje Faculdade Pitágoras, uma cópia de suas dissertações.

Perguntei-lhe se já tentara conseguir o trabalho desejado com a família do saudoso professor, ao que ela me informou que não apenas o fizera, mas também que soubera, por intermédio de sua genitora que, há algum tempo, uma moreninha, baixinha, gordinha, de nome ignorado, fora a sua casa, pedira o trabalho emprestado e nunca mais aparecera.

Confabulei com a antiga mestra sobre quem poderia ser a “tampinha”, a cara de pau, a “ordinária” que se “esqueceu” de devolver à família um trabalho tão importante para subsidiar pesquisas científicas. Em resposta ouvi: “Juro que não sou eu!”. Rimos muito.

Acho que alguém assim merece uma praga “malígrina”, bem no estilo Bento Carneiro, personagem de Chico Anysio: “Atenção ocê que se astreveu a ir na casa da mãe do Olyntho pegá o trabaio dele e num se alembra de devorvê! Essa noite, quando ocê tivé bem drumindo, ele vai vim puxar seu pééééé!"

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 22/09/2010
Reeditado em 14/05/2012
Código do texto: T2514336
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