Como não se salvar numa situação de perigo iminente

Aviso de antemão, o texto que se segue é uma representação de um dia comum, um mero relato e todos os fatos e personagens citados não são fictícios e devem ser encarados com total seriedade por parte de você, leitor.

Era um dia comum, não estava muito quente, nem muito frio. Para ser sincero, a temperatura estava um tanto quanto irritante, teimando em ficar naquele patamar da “média”, não querendo pender para nenhum lado, como alguém indeciso em época de eleição. Decidi ignorar a temperatura, já que ela parecia estar também me ignorando. Voltei meus pensamentos ao chão, me concentrando em desviar de possíveis pedras no caminho ( literais ). Eu estava andando. Na verdade, correndo. Tinha exatos -3 minutos para chegar ao ponto de ônibus, consegui em surpreendentes 11. Isso era 14 minutos fora do previsto, ou seja, eu havia perdido o ônibus.

Como ainda não havia desenvolvido minhas habilidades de teletransporte, e voar é mais complicado do que parece¹, resolvi esperar pelo próximo ônibus. Acredito que seria interessante citar aqui uma característica importante da minha pessoa: eu perdi a paciência, literalmente. Foi num certo dia, eu a apostei num jogo de poker e acabei perdendo pra um trio de valetes, o resto, é história. Portanto, esperar pelo próximo ônibus, para mim, não significa o mesmo que para você. Encaro isso como um meio de pagar todos os meus pecados dessa vida, das 3 últimas e das 2 próximas que virão ( Pleonasmo? Sério? Observe eu me importar: ). Ok, alguns minutos de espera, avisto no horizonte o que parecia com um ônibus, e que, alguns segundos depois, se mostrou ser, de fato, o meio de transporte em questão. Por sorte, o motorista resolveu seguir o lado bom de sua consciência que dizia – ” Vamos lá, pare o ônibus para aquele cara fazendo sinal com as duas mãos e com uma das pernas, ele parece estar querendo subir”.

Consegui embarcar no ônibus. Vitória, pensei. Me lembrei de uma garota chamada Vitória, que estudava comigo na pré-escola, não consegui me lembrar de sua fisionomia nem de sua preferência literária. Resolvi deixar pra lá e pagar logo a cobradora, que me encarava como se eu fosse um desses caras que não têm o dinheiro da passagem. Entreguei o dinheiro com uma cara de : ‘Ahá, segura essa, eu tenho o dinheiro da passagem, se ferrou’. Pena que ela nem se deu ao trabalho de apreciar minha face de vitória. Opa, lá vem a garota de novo, dessa vez me lembrei que eu possivelmente tive uma queda por ela, ou talvez tenha sido o contrário. Olhei para o interior do ônibus, e me deparei com uma das três decepções da vida: não tinha lugar. As outras duas são decepcionantes demais para serem citadas num contexto tão descontraído como esse.

Ok, pensei, vou de pé. Escolhi um lugar próximo da porta de saída, e ali estabeleci o que seria meu território nos próximos 45 minutos de viagem. Reconheci um velho amigo, sentado próximo de onde eu estava. Iniciei uma conversa casual, sou mediano em conversas casuais. Conversamos por volta de 25 minutos, quando, de repente, o ônibus pára. Pensei: ” O ônibus parou”. Sim, foi tudo o que eu tinha em mente. Segundos depois, meu pensamento mudou para: ” Ok, o ônibus está parado, quebrou, droga, quebrou”. Foi aí que o pânico começou², nunca havia acontecido tal fatalidade comigo. Só resta eu ser assaltado, sequestrado e morto, e aí terei completado os 4 passos que um homem deve passar para ser considerado um homem de verdade. Ou um defunto, dependendo do ponto de vista.

Seguimos o procedimento padrão: descemos do ônibus. Fomos informados que o motor estava superaquecido, e que se andasse mais um pouco, fundiria. Gritei : ” Então vai até onde der “. O motorista parece que tentou não escutar, a cobradora continuou com a cara de que eu não tinha o dinheiro da passagem e o resto dos passageiros estavam estressados demais para prestar atenção num desconhecido gritando alguma coisa. Fomos para a beira da pista esperar pelo próximo ônibus. Esperamos. Após longos minutos de espera, que na minha mente perturbada pareceram infindáveis, eis que surge o tão aguardado próximo ônibus. E ele surge, infelizmente, lotado. Resolvemos ignorar a física, e tentar fazer com que dois corpos ocupem o mesmo espaço. Sim, como esperado, falhamos miseravelmente. Tivemos de nos contentar em ocupar cada centímetro livre do interior daquele ônibus com um corpo, ou possivelmente, dois. E o ônibus seguiu seu caminho, com o triplo de passageiros que o recomendado e a certeza de que, se aquele ônibus se envolvesse em um acidente, morreriam praticamente 1/3 da população da minha cidade.

Desconfortável, estressado e ainda sem paciência, consegui sair do que naquele momento mais parecia uma sauna ambulante. Ainda desnorteado, consegui tropegante chegar até em casa. Adentrei os portões de minha humilde residência com um ar triunfante, digno de glórias e condecorações solenes. No entanto, tudo o que consegui foi uma porta trancada e uma chave esquecida no trabalho.

Glossário

¹ Resumindo, a arte de voar funciona da seguinte maneira: você deve aprender como se jogar no chão, e errar. Sim, e deve acontecer acidentalmente, se você tentar errar de forma deliberada, não vai conseguir. É preciso que sua atenção seja subitamente desviada por outra coisa quando você está a meio caminho, de forma que você não pense mais a respeito de estar caindo, ou a respeito do chão, ou sobre o quanto isso tudo irá doer se você deixar de errar.

² Não entre em pânico.

Ideias retiradas de um livro muito famoso em outras galáxias. Como não é tão famoso por aqui, não vale a pena ser citado.

Willian Sousa
Enviado por Willian Sousa em 22/09/2010
Código do texto: T2514127
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