PÁGINA EM BRANCO

Se lhe dão uma folha em branco, o que passa em sua cabeça, para preenchê-la? Aos pintores, chegam idéias, pincéis e tintas, para encobrir a miríade de tons de que o branco é formado. Ao artista gráfico, composições e formatações harmoniosas. Ao escritor, letras se tornando palavras, que se complementam em frases de um texto inédito. Aos analfabetos, garatujas que, para eles, significam coisas que querem escrever e não sabem como. As crianças se esmeram nos lápis de cor, em riscos e rabiscos que dizem serem aviões, carros e gente próxima. Para um cronista profissional, uma folha vazia é uma tortura e um desafio a enfrentar, para cumprir o prazo de entrega de seus trabalhos.

O mesmo objeto provoca tão diversas ações e reações.

A vida, que começa no acasalamento e união do espermatozóide com o óvulo, se torna um embrião, feto e bebê ao nascer, é esta folha em branco. Será preenchida, a partir daí, com as aptidões deste ser, dificultada pelas circunstâncias familiares, facilitada pela condição financeira, estimulada pelos dons pessoais, transtornada pelas tragédias particulares ou públicas. Tudo isso sempre conduzido por um fio invisível: Deus – O Grande Artista, que executa sua obra magistral, através destas criaturas, sem interferir no livre arbítrio individual. Um dia Einstein, Van Gogh e Victor Hugo foram uma folha em branco.

Você, que me lê, pára um momento e analisa a folha da sua vida. Por força das circunstâncias, eu acabo de dar uma desacelerada no ritmo louco a que sempre me impus. Quem se movimenta não tem tempo para pensar, era o meu lema. Parti do princípio que o vazio de idéias nos leva ao erro, ao desvario, e nos tira a alegria de viver. Se não filosofar sobre as desgraças ao redor, não entro nelas e neste círculo vicioso, do qual só sairei com a morte. Fui obrigada a diminuir o ritmo vertiginoso a que me impunha e fiz uma grande descoberta: se não me agrada a figura que se apresenta na minha folha, que nestas alturas da vida não está mais em branco, há borrachas e “liquid paper”, para desfazer o que está desarmônico e redesenhar o que mais se parece comigo neste momento. “Deletei” muita coisa, mas descobri que a essência da composição me agradava. Isto me fez mais serena, coisa que meus amigos tanto me cobravam. Estou mais sensível ao sangue que pulsa ainda forte em minhas veias e aos valores que realmente importam neste mundo: consciência tranquila, prazer de respirar e ver, saborear uma comida exótica, mas bem feita, usufruir das amizades e agradecer a Deus por este dom inefável que se chama vida.

Petrópolis, 22 de setembro de 2010

Gilda Porto
Enviado por Gilda Porto em 22/09/2010
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