Múltiplas.

Utilizo-me de múltiplas narradoras quando escrevo. Valho-me da menina assombrada diante do mundo e da mesma menina de riso solto e pernas desgovernadas descendo o morro em Ponta Negra.

Lanço mão da adolescente deslumbrada ante as possibilidades e ao mesmo tempo tímida perante as mesmas possibilidades.

Sou órfã de pai no desamparo e protetora da filha única que tanto protege quanto é protegida.

Uso a mulher apaixonada tão enfaticamente como uso a mulher desiludida. Meu texto chora, ri, canta e dança conforme a sintonia.

Visto-me de dama sofisticada e dispo-me em meio a pedaços de vaso quebrado. Sou uma e sou outra.

É nítida a leitora entusiasmada em meus textos. Sopra-me ao ouvido o último autor que me encantou. Ando como Cora Coralina pelas ruas de Goiás Velho, consciente de que apenas a imito.

De cara para o vento de setembro em Natal ouço uma sonata de Bach e abrigo da ventania as páginas de um livro no qual me resguardo da tarde.

A música me transporta para outro tempo, onde sou outra pessoa, vivo outra vida, pois sou, também, aquelas que não fui.

Evelyne Furtado
Enviado por Evelyne Furtado em 19/09/2010
Reeditado em 15/06/2011
Código do texto: T2507390
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