Trepalhada - Parte I

Dez dias em casa, afastado do trabalho. Eu que vivia reclamando de não ter meias, tenho uma meia nova, que ficará comigo durante esses dez dias. Mas como é a minha vida, a meia vem acompanhada de uma mancar constante. E cada pisada que dou, é uma pontada de dor. E cada pontada de dor, eu me lembro de que não deveria ter saido de casa noite passada. Vou lhes contar o que aconteceu.

Conheci uma garota surpreendentemente linda, espirituosa e engraçada - a mais engraçada das mulheres, com certeza. Foi num show à céu aberto que nos conhecemos. Olhos claros, um braço fechado de tatuagens coloridas e jeito de moleca. Encantadora. Chegou em mim cheia das intenções e ficamos. O show acabou e saímos fazendo baderna pela cidade, parecendo duas crianças. Estacionamo-nos num boteco sujo da Augusta, cheio de peões de obra e ficamos bebendo até ela arrumar confusão com metade das pessoas que lá estavam. Provocava os homens e batia em retirada humilhando os pobres diabos com seu humor cáustico e defensivo. Eu era o que mais dava risada e, por conta disso, todo o ódio deles, que ela suscitava, acabava sendo dirigido à mim, o "então namorado" da bela "putinha debochada" - como ela mesma ficou apelidada lá. Saímos deste boteco e fomos para um outro, já com um público mais "descolado" freqüentando. Um alemão atarracado e bêbado cismou que queria beijá-la de qualquer jeito. Sentou na nossa mesa e usou toda a sua lábia (ignorando a minha existência) para tal finalidade. Ele argumentava e era humilhado e eu só dava risada da cara dele. Até que ele se invocou e começou a me chamar pra brigar. Esqueceu completamente a garota, levantou-se, bateu na mesa atraindo a atenção de todos e começou a me xingar de cuzão, filho da puta, viadinho do caralho, enfim, de tudo quanto é baixaria. Eu não conseguia parar de dar risada e ele me deu um soco que, por pouco, não me quebra os dentes. Desviei e parei de rir na hora, levantei e o derrubei no chão sem dificuldade. Ele mal se agüentava em pé. Só pra não perder a viagem chutei sua cara, antes que os bons samaritanos me segurassem pra impedir maiores danos. Fomos expulsos do bar, os três. Que humilhação! Ficamos na calçada, os três, dando risada da situação. Largamos o alemão lá e começamos a andar sem rumo.

Entramos numa lojinha de posto de gasolina e ela roubou algumas cervejas. Um dos frentistas viu a gente saindo sem pagar e nós começamos a correr no meio dos carros e viramos uma esquina e entramos num bordel qualquer. Mas não foi tão simples assim. O filho da puta do segurança não queria permitir a entrada com o engradado e meu pé doía do chute na cara do alemão. Enfim, ele nos deixou entrar. E que mortal resistiria àqueles olhinhos verdes suplicando algo? E quem resistiria àquele ar nínfico, àquela boquinha fazendo biquinho e aquela vozinha fazendo manha? Ninguém, muito menos um segurança de puteiro, acostumado a mulheres mais, como posso dizer!?, "agressivas". Deixamos o engradado em cima da caixa de luz e entramos no puteiro. Já lá dentro, o habitual: homens horrendos, casados, pobres de espírito e bêbados alisando aquelas mulheres ordinárias e fedorentas, pagando drinks e inserindo moedas na Jukebox e escolhendo Calcinha Preta pra tocar. O lugar era tão abafado quanto uma antecâmara do inferno e tinha cheiro de buceta mal lavada misturada com Pinho Sol. Sentamo-nos nos banquinhos do bar e pedimos alguma coisa e começamos a beber e a falar da vida. Uma puta encostou no balcão e se colocou a me encarar. Olhava com volúpia. Queria me comer. Queria comer um rapaz novo e papar seu dinheiro, junto. Seria gratificante pra ela, acostumada à velhos decrépitos de saco murcho. Sorriu pra mim e faltava-lhe alguns dentes na boca. Inclusive o centroavante. Ergui o copo e mandei-a se foder. Minha parceira do crime começou a dar risada, mas parou, quando um velho com chapéu de palha, queimado do sol, fedendo azedo, encostou nela e perguntou quanto era o programa. Ela jogou o conteúdo do copo na fuça do velho, rolou algumas notas pelo balcão do bar, me puxou pelo braço e caímos na noite novamente, carregando o engradado roubado.

- Quero mijar.

Paramos num boteco nos arredores da Praça da Sé que não parecia receber uma limpeza desde a construção da Catedral e ela foi mijar. Eu não quis nem pensar na aparência do banheiro.

- Tenho sono. Vamos dormir num hotel?

- Pode ser.

- Vai querer trepar comigo?

- Provavelmente.

- Tudo bem. Também vou querer trepar com você. Você parece ter o pinto grande. Tem quantos centímetros?

Pegamos um ônibus e mais encrenca. O pessoal do telemarketing saindo do trabalho entra no ônibus e começa a celeuma. Falavam de clientes mal-educados, supervisores folgados, má remuneração e a porra toda. Minha nova amiga não resistiu:

- Esses filhos da puta do telemarketing falam a porra do dia inteiro e ainda tem saliva pra gastar falando de trabalho quando estão indo pra casa descansar... Ô raça desgraçada!

Tivemos que descer do ônibus pra evitar um linchamento e entramos num motel perto do Metrô Belém, que tinha camas octogonais e ficava em frente ao Cemitério do Brás. Eu queria cagar, mas seria indelicado fazer isso num motel. Seria indelicado fazer isso em qualquer lugar que não fosse a minha boa e velha privada, ladeada por uma pilha de livros e revistas. Apertei o olho do cu enquanto pude, tentando afastar os malditos tenesmos. Pegamos a chave do quarto 25, subimos dois lances de escadas. No quarto 17, uma gemedeira dos diabos. Paramos na porta e ficamos ouvindo:

- OOOOOOHhhHHh, Cléber, safado, mete nessa cachorra, metOOOOOOOHhHHhtchtcih

- Vagabunda, vagabunda OHHHHOHHHHHH

Nos entreolhamos, entre excitados e com vontade de explodir na gargalhada.

- OHAAAAAAAAAH VOU GOZAR CLÉBER, VOU GOZAR, VOU GOZAR!

- EU TAMBÉM, EU TAMBÉM, VAMOS! OOOOOHHHHhHh

Quando estavam com o gozo no gatilho a campainha do seu quarto toca. Me assustei e quando dei por mim era a minha companheira apertando a campainha com cara de criança levada. Corremos até o 25 mortos de dar risada, enfiamos a chave e antes de eu entrar, vi um casal no final do corredor. Mas não estavam juntos: ele saia de um quarto e ela do outro e ambos me viram. Abaixei o zíper e mostrei o pau duro pra eles. Não demonstraram nenhuma impressão em suas faces: nem de surpresa, nem de raiva, indignação. Nada. Isso me deixou um pouco triste. Fechei a porta, abri uma lata de cerveja e fiquei na janela, bebendo e olhando os pequenos Cristos de braços abertos acima de algumas tumbas. Eu não conseguia parar de sentir um certo fascínio por cemitérios. Eu poderia estar em um deles a qualquer momento. Você que está lendo também - caso não seja cremado ou, pior, caso um serial killer mutilador espalhe seus pedaços pela cidade inteira.

- Caralho!

- O que foi, chica?

- Reparou que a gente só tem entrado em furada desde que nos conhecemos?

- Mérito seu, minha cara!

- Seu cu HAHAHA quer fumar maconha?

- Tem aí?

- Opa, sempre!

- Pode ser...

- Merda, não tem seda - pega o telefone - Oi, moça, traz seda pra gente? Não, não é shampoo... Aquele papelzinho que tem em boteco, sabe? De limpar a boca? Tá, tá, obrigada.

- Você se incomoda se eu cagar aqui?

- Claro que não, vai lá!

- Tem alguma coisa pra ler na sua bolsa?

- Tem a embalagem do absorvente. Serve?

- Pode ser.

Abri outra lata e fui pro banheiro, descobrir os Mistérios dos Absorventes Femininos.

Era estranho cagar num banheiro de motel.

Era estranho estar com uma estranha no motel.

Fiz o que tinha de fazer, dei descarga, limpei o rabo e gostei: passei o papel e ele continuava branco. Nada mal. Liguei o chuveiro e ela gritou lá de fora:

- Vem fumar primeiro, cagão, já bolei o banza.

- Já acendeu?

- Claro, pra tirar esse cheiro de merda daqui HAHAHAHA

- HAHAHA sua lixo.

Sentamos no chão e fumamos e bebemos assistindo o canal pornô e ouvindo os gemidos dos outros quartos. E tudo o que eu senti naqueles momentos foi o vazio da paz, o preenchimento do nada, o feliz embotamento que sentimos quando escapamos de uma situação quase-morte ou passamos naquela entrevista do emprego desejado ou do vestibular ultra-concorrido.

Mas eu sabia que essa é a paz que antecede a guerra e por mais que me preparasse psicológicamente para qualquer coisa, o que veio a acontecer depois me desarmou por completo.

Mas isso eu conto outro dia, tá?

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 18/09/2010
Reeditado em 18/09/2010
Código do texto: T2506118
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.