O DRAMA DO BOLSO

- Aí! Tá doendo!

- O que professor?

- Tá doendo muito!

- O senhor quer que eu chame um médico?

- Não!

_ Um farmacêutico?

- Não!

- Está doendo onde professor?

- No meu bolso.

- O quê é que tem no seu bolso?

- não tem NADA.

- mas se não tem nada porque dói?

- exatamente por isso! Porque, como não tem nada, com que eu vou pagar meu aluguel, minha conta de água e de luz, a passagem para a faculdade, o leite do meu bebê, o mercadinho onde faço minha feira fiado?

- Calma professor! Deve ter uma forma de resolver isso.

- tem sim, já sei! Vou brincar de ser mágico.Vou sonhar com um mundo encantado.Serei criança para não entender as coisas de adultos. Serei menino levado, espernearei, gritarei, chorarei. E gritarei bem alto. Estou com fomeeeee!

- E se não te escutarem, professor?

- Então usarei um microfone, quem sabe um megafone. Mas com certeza gritarei...

- Caramba! Que situação difícil é ser professor, hem!

- Pois é!

-Professor...?

-Você acha que eu deva ser apenas menino acanhado, ficando no canto emburrado, a barriga dando nó, sentindo-me muito só, a lamentar a miséria que destrói a matéria sem piedade e sem dó?... Não, mil vezes não! Gritarei bem alto para que todos ouçam, preciso comeeeer!

- Estou sem palavras professor.

- Não tem problema jovem... Perdoe-me, por favor. Estou conversando com você há tanto tempo e não sei o seu nome?

- Meu nome é José.

- E agora José? Carlos Drummond morreu. O poeta agora sou eu. E agora José??

_ O senhor é professor e poeta?

_ Sou professor e poeta, embora não tenha nenhum livro publicado.

- Então o senhor é sofredor duas vezes.

- Tens razão, poeta não ganha dinheiro. Por isso, continuo sem pagar as minhas contas.

- E o bolso?

_ Continua vazio.

- Agora entendo porque a filha de Ester não quer ser pedagoga?

- Não entendi. O que tem a ver a filha de Ester com a nossa conversa?

- É que eu faço Letras na Uneb, sabe!

- Sei. Estais estudando para ser professor?

- É...?

- Mas, porque esse “é...?” ? Parece que você não está seguro do que quer. Desculpe você iria narrar algo que aconteceu na Uneb, certo?

- Certo.

- Então continue a sua narração.

- Ontem, na aula de Teoria da Literatura aconteceu algo engraçado que serve para uma reflexão.

- Continue.

_A minha colega Ester é mãe solteira, e como não tinha com quem deixar a sua filhinha, foi obrigada a levá-la para sala de aula. Enquanto o professor Marielson explicava o conteúdo referente à disciplina algo lhe chamou atenção. É que a filha de Ester estava lendo os nomes de Piaget, Vygotsky, Wallon escritos num cartaz na sala.

-Sim e que mais aconteceu?

_Marielson ficou encantado com a sabedoria da pequenina e disse: “ Nossa! Ela vai ser pedagoga”. Diante desta afirmação, a filha de Ester começou a chorar, e não parava de chorar.

- Engraçada foi essa cena, hem!

-É! Na sala, todos sorriram menos a filha de Ester. Ela só chorava. Como o senhor há poucos minutos.

- Percebo que o “drama do bolso” atingiu também a filha de Ester.

- Talvez não. Porque ela pode ter achado que aquelas palavras eram xingamentos.

-Que coisa, hem!

Criada às17/9/2010 00:07:25

Aderlan Gonçalves
Enviado por Aderlan Gonçalves em 18/09/2010
Código do texto: T2505659
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