CONTRIBUIÇÃO DE CASTRO ALVES PARA OS HÁBITOS SOTEROPOLITANOS
CONTRIBUIÇÃO DE CASTRO ALVES PARA OS HÁBITOS SOTEROPOLITANOS
Jorge Linhaça
Quem já foi a Salvador, Bahia, por certo deve ter passado pela Praça Castro Alves e visto a estátua em homenagem ao ilustre poeta. O que pode ter passado despercebido é a relação que o gesto da estátua tem com o dia-a-dia da capital soteropolitana.
Qualquer "não baiano" que passeie pelas ruas de Salvador, não escapa do assédio de vários de seus habitantes que, imitando o gesto do poeta, estendem a mão em riste em sua direção e 'baianamente", molemolentemente sapecam a frase que parece ter sido decorada " ô meu rei, me veja aí um trocado"...
Claro que isso não é exclusividade de Salvador, mas...só lá é que vi a estátua de um poeta servir de inspiração para o gesto e a forma, quase poético, de se pedir um trocado.
Talvez o Toninho Frederico, do alto de seu imenso pedestal, se pegue hoje a pensar no que vê acontercer pela sua Soterópolis, talvez a cidade mais negra do Brasil, e tenha lá suas dúvidas sobre o que, afinal das contas, a abolição da escravidão trouxe de real.
De qualquer forma, Frederico está lá eternizado em seu gesto que, alegam os eruditos, é uma pose declamatória mas que, para quem ve sua silueta de mão estendida, lembra mais
um pedir de algo.
Enquanto isso, perpetuado também se torna o gesto repetido dioturnamente pelos logradouros de Salvador, ainda mais se você for loiro de olhos claros...é batata...seu tipo físico funciona como uma lâmpada a atrair as mariposas.
" Ó meu rei, me veja um trocado..."
Não tenho, to caidaço...
"Então me veja um cigarro"
Este é o último...
" Pois então me de uma bala dessas..."
A persistência parece ser uma "qualidade" refinada ao longos dos anos, estratégicamente pensada para garantir que , na mioria dos casos, a investida renda qualquer coisa.
Ser esse tipo de pedinte, em Salvador, é uma arte, talvez vitalícia e hereditária e, ainda que incomode, pelo número de abordagens que sofremos ao longo do dia, acaba fazendo parte de cenário folclórico que veste Salvador de uma roupagem talvez única em todo o mundo.
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anjo.loyro@gmail.com
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Arandu, 18 de setembro de 2010