Comer, beber e ler
A culinária é uma arte maravilhosa que envolve todos os cinco sentidos: paladar, olfato, visão, tato e audição. O paladar e olfato têm importâncias óbvias e dispensam maiores explicações. A visão é fundamental pois não há quem não concorde que comemos primeiro com os olhos e depois com a boca, a estética do prato ou a aparência do que comemos são determinantes. Já o tato é usado em ocasiões distintas: para apalpar as frutas e legumes antes de comprá-los, para comer (é costume na Índia comer com a mão direita, sem talheres), e para cozinhar, pois o cozinheiro precisa literalmente pôr a mão na massa. Quanto a audição, quem já cozinhou sabe que a cozinha tem sua própria trilha sonora, como o borbulhar da água fervente, o filé que grita ao tocar na frigideira, o liquidificador que é sempre tão escandaloso e o timer do forno que nos avisa quando o bolo está pronto. Isso sem mencionar o barulho que inevitavelmente fazemos quando abocanhamos um milho cozido ou damos uma gostosa dentada numa maçã: crunch!
É difícil encontrar uma arte que conjuga todos os sentidos desta forma. O cinema, a música e a dança por mais belos que sejam não envolve os sentidos como a culinária envolve - comer e beber bem é saber usufruir e extrair todo o prazer que a arte culinária proporciona aos cinco sentidos do corpo. Comer e beber. E ler, o que tem a ver com tudo isso?
Bem, quem gosta de ler sabe que os livros são os alimentos da alma. Culinária e livros estão ligados pela metáfora, por uma poesia gastronômica, uma alegoria literária da gula. Os livros aplacam a nossa fome de saber, sentimo-nos bem nutridos quando conhecemos ideias novas e aprendemos diferentes formas de pensar as coisas e o mundo. É gostoso até quando descobrimos coisas não tão úteis mas que são curiosas, como por exemplo, que o ser humano é capaz de identificar e guardar na memória até cem mil tipos de odores diferentes. E ler proporciona uma viagem tão fantástica que, apesar de não estar diretamente relacionada a todos os cinco sentidos, certamente ela aguça o sexto, a nossa intuição.
Deleitamo-nos nas saborosas páginas de uma estória bem preparada, da ficção elaborada magistralmente por um Chef-escritor. O gosto de uma deliciosa frase bem escrita pode ficar impregnado em nossa mente por meses, anos, pela vida toda. Cada palavra tem um sabor especial e quando bem combinadas podem ser tão inebriantes quanto o manjar dos deuses. Um petisco de curiosidade: a palavra saber vem do latim sapere, que significa sabor. Saber tem sabor de romance, ciência, aventura, erotismo.
E o cardápio é vasto, variadíssimo, existem livros para todas as idades e gostos. Para os apressadinhos há a leitura fast-food, que embora seja barata e até saborosa tem alto teor de gordura e colesterol. Quem gosta de carregar livros para todos os lados pode achar cômodo os livros de bolso, que cabem perfeitamente dentro da marmita. Algumas leituras são difíceis, de digestão pesada e lenta, mas que compensam por cada letra mastigada por serem vitaminadas e muito nutritivas.
Há livros com estórias doces, outros com personagens amargos, e outros ainda com enredos apimentadíssimos. Mas o gosto é pessoal, cada um escolhe o livro de seu agrado, aquele que queira degustar. Não adianta, por exemplo, forçar a criança a ler um livro-brócolis que ela terá além de falta de apetite, desgosto pela leitura. Criança quer livro-chocolate, livro-algodão-doce. Descubra o que ela gosta para que natural e gradualmente ela se desenvolva e, com o tempo, procure por paladares mais complexos e sofisticados. Tudo a seu tempo, lembre-se que quem tem pressa come cru.
E para o final de semana, uma sugestão. Consulte o guia gastronômico e faça uma visita a uma boa livraria ou biblioteca de sua cidade. Petisque à vontade nas prateleiras, escolha com calma um ou mais livros, peça para embrulhar para viagem e delicie-se no conforto de sua casa. Sacie a sua insaciável fome de ler. Valem as dicas de amigos, leitura de resenhas ou sugestões de críticos literários. O Ministério da Cultura adverte: livros, devorem-nos sem moderação.
Bon appétit!
Setembro de 2010
Fonte da imagem
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Este texto faz parte do exercício criativo "Comer, Beber e...".
A culinária é uma arte maravilhosa que envolve todos os cinco sentidos: paladar, olfato, visão, tato e audição. O paladar e olfato têm importâncias óbvias e dispensam maiores explicações. A visão é fundamental pois não há quem não concorde que comemos primeiro com os olhos e depois com a boca, a estética do prato ou a aparência do que comemos são determinantes. Já o tato é usado em ocasiões distintas: para apalpar as frutas e legumes antes de comprá-los, para comer (é costume na Índia comer com a mão direita, sem talheres), e para cozinhar, pois o cozinheiro precisa literalmente pôr a mão na massa. Quanto a audição, quem já cozinhou sabe que a cozinha tem sua própria trilha sonora, como o borbulhar da água fervente, o filé que grita ao tocar na frigideira, o liquidificador que é sempre tão escandaloso e o timer do forno que nos avisa quando o bolo está pronto. Isso sem mencionar o barulho que inevitavelmente fazemos quando abocanhamos um milho cozido ou damos uma gostosa dentada numa maçã: crunch!
É difícil encontrar uma arte que conjuga todos os sentidos desta forma. O cinema, a música e a dança por mais belos que sejam não envolve os sentidos como a culinária envolve - comer e beber bem é saber usufruir e extrair todo o prazer que a arte culinária proporciona aos cinco sentidos do corpo. Comer e beber. E ler, o que tem a ver com tudo isso?
Bem, quem gosta de ler sabe que os livros são os alimentos da alma. Culinária e livros estão ligados pela metáfora, por uma poesia gastronômica, uma alegoria literária da gula. Os livros aplacam a nossa fome de saber, sentimo-nos bem nutridos quando conhecemos ideias novas e aprendemos diferentes formas de pensar as coisas e o mundo. É gostoso até quando descobrimos coisas não tão úteis mas que são curiosas, como por exemplo, que o ser humano é capaz de identificar e guardar na memória até cem mil tipos de odores diferentes. E ler proporciona uma viagem tão fantástica que, apesar de não estar diretamente relacionada a todos os cinco sentidos, certamente ela aguça o sexto, a nossa intuição.
Deleitamo-nos nas saborosas páginas de uma estória bem preparada, da ficção elaborada magistralmente por um Chef-escritor. O gosto de uma deliciosa frase bem escrita pode ficar impregnado em nossa mente por meses, anos, pela vida toda. Cada palavra tem um sabor especial e quando bem combinadas podem ser tão inebriantes quanto o manjar dos deuses. Um petisco de curiosidade: a palavra saber vem do latim sapere, que significa sabor. Saber tem sabor de romance, ciência, aventura, erotismo.
E o cardápio é vasto, variadíssimo, existem livros para todas as idades e gostos. Para os apressadinhos há a leitura fast-food, que embora seja barata e até saborosa tem alto teor de gordura e colesterol. Quem gosta de carregar livros para todos os lados pode achar cômodo os livros de bolso, que cabem perfeitamente dentro da marmita. Algumas leituras são difíceis, de digestão pesada e lenta, mas que compensam por cada letra mastigada por serem vitaminadas e muito nutritivas.
Há livros com estórias doces, outros com personagens amargos, e outros ainda com enredos apimentadíssimos. Mas o gosto é pessoal, cada um escolhe o livro de seu agrado, aquele que queira degustar. Não adianta, por exemplo, forçar a criança a ler um livro-brócolis que ela terá além de falta de apetite, desgosto pela leitura. Criança quer livro-chocolate, livro-algodão-doce. Descubra o que ela gosta para que natural e gradualmente ela se desenvolva e, com o tempo, procure por paladares mais complexos e sofisticados. Tudo a seu tempo, lembre-se que quem tem pressa come cru.
E para o final de semana, uma sugestão. Consulte o guia gastronômico e faça uma visita a uma boa livraria ou biblioteca de sua cidade. Petisque à vontade nas prateleiras, escolha com calma um ou mais livros, peça para embrulhar para viagem e delicie-se no conforto de sua casa. Sacie a sua insaciável fome de ler. Valem as dicas de amigos, leitura de resenhas ou sugestões de críticos literários. O Ministério da Cultura adverte: livros, devorem-nos sem moderação.
Bon appétit!
Setembro de 2010
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