Quando eu não era professor...
Eu nem pensava em ser professor quando percebi que estava em sala de aula. A vida passava como um relógio teimoso que fazia um tic-tac extremoso. Olhei para o fundo da sala e vi que alguns se divertiam com joguinhos inúteis, desses que com certeza jamais ofereceriam aos filhos.
O sino toca e um rapazinho me olha inquieto. O único que ficou comigo, ali, olhando-me escrever as notas no diário. Perguntei se ele não ia embora, pois já era hora e a mãe dele sempre se preocupava com as demoras que às vezes acontecia por ocasião das provas. Não era aquele dia um desses. Ele não respondeu nada e continuou me olhando.
Não dá pra negar que aquela situação me incomodou bastante, mas fiz de conta que não estava preocupado com isso. O menino, diante de minha inquietação saiu de sua cadeira e foi até onde eu estava.
Diga-me, professor - disse com uma voz de entrevistador – o senhor começou a estudar com quantos anos? Porque é tão novo e já professor...
Fiquei mais feliz do que triste com a afirmativa. Nada contra os velhos, mas não gostaria da comparação contrária. Com todo esmero respondi à pergunta:
Filho sente-se – continuei – foi aos quatro anos de idade que comecei as letras. Tão logo perceberam que demonstrei certo avanço resolveram pular uma fase e passei do maternal à primeira série. Com isso dei de ombros, pois não sabia a diferença dentre as séries. Não tinha a eloquência de hoje. Nem a malandragem de ontem se conservou atualmente. Ou digo que ela mudou. Ponho fogo nas palavras.
Que quer dizer? - Interrompeu-me o menino – esta coisa de fogo nas palavras?
Quando criança – continuei – costumava brincar com fogo. Já coloquei fogo na cama do meu irmão mais velho, quase explodi uma televisão, incendiava os perfumes de casa e mexia nas tampas do fogão. Soltava bombas e saltava as fogueiras e nunca me queimei nessa brincadeira. Hoje toco fogo nas palavras, ou seja, faço verso e prosa e conto histórias. A poesia é minha arte; as palavras que escrevo, com elas já me queimei, ardi em febre de amor e ódio; já causei sorrisos e solidão. Já fiz chorar e alegrar um coração. E pra finalizar...
Fui novamente interpelado pelo menino: professor, o que é arte?
Ai eu emendei: não sei meu filho. É coisa de gente grande. Você ainda está na primeira série e é muito difícil eu te dizer. Agora vá que já está escurecendo e eu preciso ir também. Eu tenho medo do escuro.
E o menino: desse tamanho e com medo? Não acha que tá grandinho demais para essas coisas? Nem eu com meus seis anos! Quer que eu te leve?
Eu, envergonhado: não, obrigado. Vou com carro da escola.