O CAMINHO SECRETO
ABIO
 
 Estava ouvindo Bob Dylan “A resposta Está no Vento”, uma música em inglês, que a Inés me mandou, triste, em que os soldados americanos vão pra guerra e rola uma reflexão do porque das coisas absurdas que são feitas pelos homens e não se encontra uma resposta nítida. É uma resposta sentida só, quase nem expressa e ele fala que a resposta está no vento, uma resposta a indagações também difíceis até de se perguntar. A resposta está no vento, ou seja, coisas profundas que indagamos e quase sabemos as respostas, mas só supomos, apenas nos inquietam e sentimos como perdas.

Ouvi, e lamentei como belezas são transformadas em feiúras. Ou como belezas são arrancadas da terra e eliminadas até que muita gente nunca mais vai saber delas. E o mundo vai ficando mais pobre de belezas e coisas boas, ignoradas para sempre. Ficam restritas ao alcance só a alguns que curtem e constroem seus mundos abastados e inacessíveis. Ou até extintas para todo o sempre quando esses últimos morrem e desaparecem.

Música é uma beleza que nos viaja a caminhos maravilhosos. Caminhos impensáveis ou esquecidos.

E me dou conta da lembrança do abio. Possivelmente a grande maioria esqueceu ou nem conheceu. Uma fruta deliciosa. Amarelinha. Em Leopoldina tinha muito, na minha adolescência, quando eu tinha entre os doze e os quinze anos.
Nas feiras do Rio não se encontra e ninguém conhece.

Enquanto lembrava o abio fui fazendo o meu café. Até os gestos se modificam, adoçam-se, viram meneios, movimentos cuidadosos como se melodiosos. São uma carícia interna os nossos pensamentos que fluem sem restrições, os pensares libertos.

Eu saia de bicicleta pela cidade procurando casa que tinha cara de ter livros. Como, não sei. Pensamentos detetivescos pelo aspecto da casa, por seus moradores, ou porque uma menina ou moça estudava no Colégio das Freiras, enfim referências buscadas em detalhes da observação da vida na cidade. E quase sempre acertava: encontrava livros. E emprestavam de boa vontade como é do estilo de bondade sem receio do interior, aonde ainda não chegou o mal e distorções sociais.

Com alegria voltava pedalando pra casa. Apanhava um pão na cozinha, descalçava os sapatos e subia pelo muro que separava nossa casa da vizinha que tinha uma farmácia pra calçada da Rua Cotegipe e, vizinha esta, que não ia quase ao seu próprio quintal, ocupada o dia todo com a sua farmácia.

 E eu alcançava o muro justaposto ao telhadinho da casinha do nosso quintal, onde se passavam as roupas ou coisas que tais da família, apoio de segurança; rápida, ultrapassava o telhadinho e alcançava uma árvore encostada ao muro e, por ela eu subia e me instalava com meu pão e meu livro: era a felicidade.

Ali eu ficava horas e ninguém sabia de mim e de mim ninguém precisava. Mas eu estava comigo e me alimentava de prazer de viver, de me realizar e cultivar a cultura sem a menor intenção. Apenas acontecia. Os dias eram lindos. A tarde rendia o tempo necessário para ler tudo que eu queria. De vez em quando, uma mordida no pão, um olhar pelas árvores, descansadamente apreciando aquela visão boa de mangueiras, pessegueiros, goiabeiras carregadas e me detinha nos pés de abios. Pulava para o lado de lá, certa que os vizinhos não iam me ver, e tranqüila também, como quase um direito adquirido de pegar um abio, ou de encher a saia arregaçada de abios e voltar pro meu lugar de leitura.

OH Deus! Parece o Caminho de ÓZ!
Que delícia a doçura do abio e as páginas do livro absorvidas deliciosamente.